Por dentro do mercado

Como o Brasil pode voltar a crescer?

O Brasil precisa reencontrar seu rumo de crescimento.

Publicado por
Felipe Salto

Felipe Salto é economista-chefe da Warren Investimentos. Foi Secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo.

Este artigo faz parte da editoria “O Brasil de 2050”

Eis o desafio central do Brasil: retomar o crescimento econômico.

Para isso, será preciso um ajuste macroeconômico à altura, capaz de combinar juros mais baixos, controle permanente das contas públicas, melhor aplicação dos recursos arrecadados da sociedade, expansão do comércio internacional, cuidado com o meio-ambiente e incorporação tempestiva de novas tecnologias. O resultado é prosperidade com justiça distributiva. 

O Brasil avançou muito, desde os anos 1980, sobretudo depois da redemocratização. Debelamos a hiperinflação, conquista inegociável. Promulgamos uma Constituição Cidadã, garantidora de direitos civis, sociais, ambientais, políticos e econômicos. Há muito a comemorar.

Mas a construção de saídas para escapar do labirinto do baixo crescimento e dos níveis de pobreza e de desigualdade ainda elevados passa por retomar a capacidade de planejamento. As regras do jogo, as nossas instituições, são boas e estão em constante aprimoramento, mas falta um norte. Vento algum pode auxiliar uma nau sem rumo.  

O obstáculo é a dificuldade de financiar o desenvolvimento de modo sustentável. A própria Constituição contém os elementos importantes para o planejamento. Um deles é o Plano Plurianual, lei de iniciativa do Poder Executivo, a ser apreciada e fiscalizada pelo Legislativo, que impõe um horizonte de quatro anos para os políticos e os gestores públicos.

Sua relevância precisa ser resgatada, no bojo de uma reforma orçamentária, que recoloque o debate sobre o uso do dinheiro público na boca do povo.

O baixo crescimento econômico é o espelho da dificuldade de empreender e de prosperar em um país que gasta muito e gasta mal. O custo tão alto do capital, do dinheiro para investir, deriva dessa dificuldade de apontar um futuro menos opaco, de mostrar, com clareza, que o Estado para de pé e não vai à bancarrota. Falta, ainda, usar melhor as estruturas existentes para turbinar investimentos públicos, necessários ao avanço dos investimentos privados.

Na presença de juros reais sistematicamente elevados, em boa medida explicados por essa desorganização do Estado, dificilmente escaparemos dessa armadilha de crescer pouco. A bolsa de valores, o mercado de capitais e, portanto, a sofisticação e a complexidade da economia só encontrarão lugar quando conseguirmos migrar para um modelo econômico mais coeso. Os juros representam o custo de oportunidade do investimento produtivo. Quanto mais elevados, menor o número de projetos de investimentos viáveis na economia real. Simplesmente, porque se mostra mais vantajoso deixar o dinheiro parado rendendo juros fáceis.

A partir de dados do IpeaData, constata-se como o país perdeu tração em termos de desenvolvimento econômico. As taxas de aumento do Produto Interno Bruto, o PIB, que chegaram aos dois dígitos, nos anos 1970, nunca mais retornaram àqueles patamares. 

O Gráfico 1, a seguir, esboça essa trajetória da variação percentual real do PIB ano a ano. Nas linhas retas mais escuras, pode-se observar, adicionalmente, a média dessas taxas para períodos selecionados: 1945 a 1954, 1955 a 1964 etc. 

Gráfico 1: Taxas reais de crescimento do PIB – 1945 a 2024 (%)

Fonte: IpeaData. Elaboração: Felipe Salto.

O Brasil parou de pensar e de planejar o futuro a partir das estruturas existentes para essa finalidade. Deixou para depois essa atividade fundamental, ainda que não deliberadamente, em muitos casos. A ideia-força de que bastaria observar o chamado tripé macroeconômico para, em seguida, colher prosperidade, prevaleceu. E fracassou. 

Apesar de essa tríade – regime de câmbio flutuante, metas para a inflação e responsabilidade fiscal – ser fundamental, ela é apenas uma espécie de condição necessária, mas não suficiente. Hoje, é possível constatar com maior clareza. Afinal, as consequências chegam sempre depois, na linha do Conselheiro Acácio. 

O tripé foi importante para consolidar a inflação baixa e trazer ao topo da agenda o equilíbrio fiscal. Também permitiu que atraíssemos capitais estrangeiros de boa qualidade, por meio da garantia da livre flutuação do dólar frente ao real. Quando se garante que a taxa de câmbio pode subir e descer, livremente, a atração de capitais estrangeiros tende a ser maior, porque se pressupõe que não haverá controle do dinheiro que entra e sai do país, por exemplo.

Contudo, para crescer, resta ir além dos objetivos de curto prazo, sem descuidar dessa tarefa mais básica. A responsabilidade fiscal permanente é apenas uma etapa. Sem resolver o déficit público total, de cerca de 8% do PIB, que se combina com dívida igualmente alta, de 80% do PIB, não vamos a lugar algum. 

Nossos níveis de endividamento e de carga tributária superam os observados em países com mesmo nível de renda per capita. Assim, é preciso resolver a equação das contas públicas para que os juros possam diminuir e o investimento e o crescimento, florescer. 

A qualidade do gasto público parece ser a chave para melhorar o modelo de financiamento do desenvolvimento no Brasil. Não se trata, apenas, de conter o aumento da despesa, mas, também, de promover um pente-fino nos orçamentos públicos. Separar o joio do trigo.  

Como gastamos os recursos em educação? Quais os resultados dos recursos destinados aos programas sociais? É boa a aplicação dos orçamentos da Saúde, da Segurança, da Infraestrutura etc.? Os incentivos, isenções, regimes especiais, subsídios creditícios e congêneres estão promovendo crescimento e emprego ou são apenas lascas retiradas do Orçamento? 

Responder a essas perguntas é fundamental para sairmos do debate de curtíssimo prazo – relevante e inescapável – e acendermos o farol alto sobre o futuro. 

Em outra frente, cabe debater como ampliar as possibilidades de comércio internacional, dado o contexto de divisão de processos de produção e de discrepâncias tecnológicas tão patentes entre os países menos e mais desenvolvidos, sem contar o caso à parte (e assustador) da China. O aumento da corrente de comércio é fundamental para expandir a competitividade e a produtividade das empresas nacionais. 

Uma questão que se coloca, ainda, e com a qual nos deparamos no tema da IA (Inteligência Artificial), é repensar o mercado de trabalho. O Brasil parece ter estacionado no tempo, notadamente, quando nos lembramos de que o mundo já está muito adiantado nesse debate.

Nas questões ambientais, a COP 30 será um marco fundamental para recolocar os olhos do mundo no Brasil e reposicionar a economia nacional como ator central nas discussões sobre: mercado de carbono, emergência climática, Amazônia, exploração de recursos naturais e fontes limpas e renováveis de energia. 

As nossas vantagens comparativas, nessa seara, são múltiplas. Os ganhos econômicos e de comércio, no bojo do acordo entre Mercosul e União Europeia, estarão, potencialmente, associados aos avanços da agenda ambiental e climática. 

O Brasil, um país solidário, que franqueou direitos sociais, pelo controle da inflação e pela criação de programas sociais exitosos, tem, nesta quadra da história, o desafio de superar os entraves estruturais ao crescimento econômico. 

O objetivo? Legar, principalmente aos que mais dependem do Estado, melhores chances de prosperar e de viver com dignidade. Parafraseando Chico Buarque: já faz tempo que a gente cultiva a mais linda roseira que há; chegou a hora de reencontramos nosso destino, como nação, como coletividade, e carregar a roda-viva pra lá.

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Felipe Salto