Seguindo o assunto “ser pão-duro ou ter juízo com o dinheiro“, que abordei na minha última coluna.
A dúvida surge em nossa mente sempre que estamos diante de um possível gasto que foge da nossa lista de obrigações.
O pagamento do aluguel, da conta de luz e do boleto da internet de casa não demanda ponderações porque esses gastos já foram assumidos e fazem parte da nossa rotina, mas comprar livros, itens de decoração, roupas, guloseimas ou qualquer outro mimo exige uma tomada de decisão.
Todas as nossas decisões, mesmo as mais impulsivas, são baseadas em critérios de escolha.
Alguém que decide torrar o dinheiro sem pensar no amanhã, por exemplo, está usando o famoso e questionável critério do “só se vive uma vez”. Nossos critérios, portanto, podem ser equivocados, inconscientes ou neuróticos, mas não deixam de ser critérios.
Precisa mesmo?
No caso das decisões de consumo, o critério mais utilizado na hora de gastar dinheiro é o da necessidade. Precisa? Compra! Não precisa? Não compra.
Evitar e cortar gastos desnecessários, inclusive, é uma recomendação amplamente defendida pelo discurso hegemônico da educação financeira. A maioria dos conteúdos produzidos na área aborda a necessidade como principal fator para analisarmos antes de gastar.
Existem, no entanto, dois problemas em restringir o consumo ao que é necessário e o principal deles é a imprecisão do conceito de necessidade.
Indice
Analisando racionalmente, nós necessitamos apenas de um teto, comida, algumas roupas para cobrir o corpo, um meio de transporte e itens de higiene pessoal para garantir a nossa sobrevivência. Todo o restante poderia ser considerado desnecessário.
Note que os prazeres de viajar, ler, comer bem, morar em um ambiente decorado e vestir roupas bonitas ficariam de fora da nossa vida se aplicássemos fielmente o critério da necessidade.
Por isso, o segundo problema do regime de gastos necessários é que ele desconsidera os nossos desejos, que também são fundamentais para a nossa qualidade de vida, apesar de não serem essenciais para a nossa sobrevivência.
Por conta da limitação do critério da necessidade, muitas pessoas acabam se privando de prazeres que seriam viáveis ou sentindo culpa ao gastar dinheiro.
Na tentativa de justificar para a consciência esses desejos sem ferir a regra de gastar apenas com o necessário, criou-se o que eu chamo de gambiarra argumentativa, segundo a qual existem alguns gastos que são, na verdade, investimentos.
Nesse discurso, não há problema em bancar alguns prazeres, como o lazer do final de semana ou as viagens das férias, porque essas experiências seriam investimentos para uma vida melhor.
Não é preciso ser especialista em investimentos para desconfiar de que essa tese não procede. Investir é alocar dinheiro em ativos com potencial de retorno financeiro para ter mais dinheiro no futuro. Se não há ativo nem rentabilidade e muito menos liquidez na história, é gasto.
Gastar não é pecado
Essa gambiarra argumentativa só foi criada porque os gastos costumam ser demonizados e o critério de consumo que nos foi ensinado é vago e insuficiente.
Deveríamos gastar apenas com o estritamente necessário e abdicar de todos os nossos desejos, mesmo quando os mimos cabem no orçamento e no planejamento? Claro que não!
Precisamos de critérios de consumo que contemplem não só as nossas necessidades presentes e futuras, mas também os nossos desejos, prioridades e possibilidades.
No próximo texto desta coluna, compartilharei o meu checklist do consumo consciente e sem culpa. Até lá!
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