Brincadeiras na lama, rock’n’roll e muitos, mas muitos hippies.
Foi mais ou menos esse o cenário que tomou conta de uma fazenda na pequena Bethel, uma cidade a cerca de duas horas de Nova York, no verão de 1969.
Entre os dias 15 e 18 de agosto daquele ano, pelo menos 400 mil pessoas participaram daquele que ficaria consagrado como um dos maiores e mais importantes festivais de música da história: o Festival de Woodstock.
Dizemos “pelo menos” pois, por mais que esse seja o número oficial, as versões variam entre 450 mil até um milhão de pessoas. A única certeza é de que todas estavam reunidas com um simples objetivo: celebrar a música e a paz.
Na primeira cena de “Woodstock — 3 dias de paz, amor e música”, o vendedor local Sidney Westerfield dá um depoimento dizendo que, apesar de ter comido apenas cereais por dois dias, já que não havia comida suficiente para todos, ele não podia reclamar de nada. “O que aconteceu foi grande demais para o mundo, ninguém nunca havia visto nada como isso”.
E, no fim das contas, é um pouco por conta disso que ainda hoje, mais de 50 anos depois, ainda falamos em Woodstock.
Pela falta de planejamento e pelas proporções inimagináveis que tomou, o festival poderia ter dado muito errado — e de fato muita coisa deu errado. Mas a experiência foi inesquecível até para quem não a viveu. Não só por seu tamanho, mas por sua grandeza: centenas de milhares de pessoas convivendo por três dias, simplesmente para se divertir e viver em paz.
A Warren está preparando um festival incrível, e não poderíamos deixar de olhar para a maior referência em festivais no mundo.
É para entrar nesse clima de alegria e celebração que hoje contaremos para você a história do Festival de Woodstock: o que deu certo e o que não deu, momentos icônicos e por que até hoje ele é um dos maiores símbolos de toda uma geração.
Vamos lá?
Indice
A origem do Woodstock Music & Art Fair, nome oficial do Festival de Woodstock, também possui mais de uma versão.
Uma delas é de que um grupo de jovens sonhava em criar um evento tão ou mais épico que o Festival Pop de Monterey, em 1967, durante o qual a famosa cena de Jimi Hendrix colocando fogo em sua guitarra aconteceu.
Outra versão envolve um motivo que talvez soe um tanto inesperado, considerando o lema “Paz e Amor” do festival e seu público majoritariamente hippie: dinheiro.
Mas o dinheiro não era um fim em si mesmo, mas um meio para construir um estúdio de música em Woodstock.
O grupo era o mesmo: Michael Lang, John Roberts, Joel Rosenman e Artie Kornfeld. No meio do caminho, porém, a ideia se transformou, e o novo objetivo passou a ser um evento musical ao ar livre. O detalhe foi que os moradores da cidade não quiseram receber aquela bagunça, e no fim das contas Woodstock não aconteceu em Woodstock.
Há ainda a história contada por Elliot Tiber, que ofereceu o hotel que havia herdado da família para receber parte do público e ajudou nas negociações com a fazenda onde o evento foi realizado.
Em seu livro “Aconteceu em Woodstock”, Tiber conta como um problema financeiro familiar foi um dos grandes motores do festival.
Independentemente da versão, o fato é que ninguém esperava muito mais do que um público de cerca de 50 mil pessoas por dia — número que se tornou fichinha perto do que veio a acontecer.
O contexto servia de pano de fundo para o Festival de Woodstock era efervescente.
Mais de uma década já havia se passado desde o início da Guerra do Vietnã, na qual os EUA apoiavam o Vietnã do Sul e a União Soviética, o Vietnã do Norte. Em solo americano, os protestos contra a guerra aumentavam cada vez mais.
Grande parte dessa juventude que clamava pela paz era influenciada pela cultura hippie, que questionava o consumismo e a guerra e pregava uma sociedade em que prevalecesse a paz, o amor e a vida em comunidade.
Nesse mesmo balaio podemos colocar também as drogas, exploradas pelos jovens como uma forma de expandir a consciência, e a música, especialmente o rock, que era a grande trilha sonora daquele momento.
E a trilha sonora de Woodstock, apesar de desfalcada de gigantes como os Beatles, os Rolling Stones, Bob Dylan, Led Zeppelin e outras bandas que recusaram o convite, não deixou a desejar. Ao longo dos três dias de festival, se apresentaram nomes como:
Com um line up desses, não fica tão difícil entender de onde saiu aquele meio milhão de pessoas, certo?
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Olhando para o Festival de Woodstock hoje, em 2022, talvez falar em tamanho não surpreenda tanto. Afinal, festivais como Rock in Rio, ou mesmo as clássicas festas de réveillon no Rio de Janeiro já ultrapassaram a marca de um milhão de pessoas.
Também não era a primeira vez que vários artistas eram reunidos em um grande evento por dois ou três dias. Mas Woodstock foi o primeiro festival com tanta gente.
Curiosamente, menos da metade do público de fato pagou pelo evento: foram vendidos cerca de 186 mil ingressos, e as outras 214 mil pessoas (ou mais) simplesmente (e pacificamente, é importante dizer) derrubaram as cercas e foram curtir os shows.
Os próprios organizadores admitiram que Woodstock foi um verdadeiro desastre financeiro.
Ao ser questionado por um jornalista sobre o porquê de ter sido um desastre, Artie Kornfeld, um dos promotores do festival, respondeu, rindo: “Por que abrimos os portões e deixamos todo mundo entrar. É um festival gratuito pago por quem investiu nele — ou pelos que vão pagar as contas”.
Prejuízos à parte, ficava claro que, acima de tudo, o que importava era o que estava acontecendo ali. Mesmo com chuva, sem ter onde dormir e com pouca comida (o lado menos glamuroso de Woodstock), as pessoas seguiam ali, se divertindo, celebrando e convivendo em paz.
O diálogo que aparece em “Woodstock — 3 dias de paz, amor e música” entre um jornalista e Kornfeld resume bem o que era esse algo tão inédito, bonito e memorável:
J: “Você disse há pouco [quando começou a chover] que esse não é o fim do festival, mas sim um início. O que isso quer dizer?”
K: “Bom, olhe para isso. É o início desse tipo de coisa”.
J: “Que coisa?”
K: “Ser capaz de enxergar essa cultura, essa geração, longe da cultura e da geração mais velha. Ela funciona por conta própria, sem polícia, sem armas, sem roupas. Todo mundo se ajuda, e funciona. Tem funcionado desde que chegamos e continuará funcionando, mesmo quando voltarem para suas cidades”.
Com três dias de shows e perrengues e quase meio milhão de pessoas, o que não falta são histórias para contar sobre Woodstock.
Reunimos algumas delas para você dar risada, se surpreender e, como alguns de nós, pensar: puxa vida, nasci na época errada!
No primeiro dia de festival, a principal rodovia que ligava a região de Woodstock a Nova York, que ficava a cerca de duas horas de Bethel, ficou parada por mais de oito horas.
Pois é: era tanta gente que o trânsito simplesmente parou. Artistas foram trazidos de helicóptero e muitas pessoas simplesmente abandonaram seus carros no meio do caminho e seguiram a pé! Além, é claro, daquelas que desistiram e voltaram para casa.
Foi por conta disso, também, que Bethel ficou desabastecida durante os dias do festival. Era muita gente para consumir o que já tinha por lá, e pouca ou nenhuma logística (nem estrutura) para levar suprimentos ao local do evento.
Moradores de Bethel inclusive se reuniram em uma praça para cozinhar e alimentar os hippies!
Em Woodstock, não teve fogo na guitarra. Mas Jimi Hendrix protagonizou mais uma cena memorável para a história do rock: junto com sua banda Gypsy Sun and Rainbows, interpretou “Star Spangled Banner” em um solo de guitarra que se tornou de suas mais célebres performances.
As imagens são impressionantes: em um palco diante de centenas de milhares de pessoas, um dos organizadores do Festival de Woodstock pede para que as pessoas mantenham a calma e fiquem longe dos aparelhos eletrônicos e das torres.
Ao fundo, é possível ver uma enorme tempestade se armando, enquanto em cima do palco o corre-corre é generalizado, na tentativa de proteger os equipamentos da chuvarada que se aproxima.
Entre os avisos, o organizador brinca: “Se todo mundo pensar com força, quem sabe conseguimos parar a chuva!”
Quando ela começa, a multidão retruca: “No rain! No rain! No rain!” (“Sem chuva! Sem chuva! Sem chuva!”).
Ainda que muitos tenham se divertido, simplesmente se molhando e brincando na lama sem preocupações, muitos se viram emburrados, passando o maior perrengue.
Na procura por recursos para viabilizar o festival, Artie Kornfeld pediu dinheiro à Warner Bros, hoje uma gigante da indústria audiovisual em parte por conta de Woodstock.
Um dos executivos da empresa, Fred Weintraub, resolveu arriscar e bancar a produção de um documentário sobre o festival.
O resultado foi o filme (já citado algumas vezes por aqui) “Woodstock — 3 dias de paz, amor e música”, dirigido por Michael Wadleigh e com edição de Thelma Schoonmaker e de um estreante Martin Scorsese, além de uma equipe de voluntários.
Com registros incríveis do evento, o filme foi um sucesso e levou inclusive um Oscar de melhor documentário de longa-metragem no ano seguinte. Se você ficou curioso, pode assistir ao filme na Apple TV+.
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Ainda que tenham despendido de alguns meses e bastante esforço para organizar o evento, a logística do Festival de Woodstock deixou (e muito) a desejar.
Além dos problemas com questões sanitárias e de alimentação (não havia banheiro nem comida o suficiente para todo mundo), também havia falta de assistência médica.
Segundo a revista Time, o Dr. William Abruzzi — apelidado de “Rock Doc” — foi um dos profissionais de saúde contratados inicialmente para cuidar das questões médicas. Não demorou muito para que ele entendesse que precisaria de reforço, e então médicos e enfermeiros começaram a ser trazidos de helicóptero para o festival, e hospitais da região ficaram em alerta.
Uma das maiores preocupações eram os usuários de drogas, as famosas “bad trips” e possíveis overdoses. Mas a maioria dos problemas foi mais simples: pessoas com cortes nos pés.
Infelizmente, duas mortes foram registradas durante o festival. Uma delas foi um tanto trágica: um jovem que estava deitado em seu saco de dormir foi atropelado por um trator. Já a outra não se sabe ao certo se foi uma vítima de uma overdose ou dos efeitos colaterais de um remédio utilizado para combater a overdose.
Por outro lado, houve também os famosos bebês que nasceram em Woodstock. Uma mulher deu à luz em pleno engarrafamento no caminho para o festival, enquanto a outra entrou em trabalho de parto já na fazenda onde acontecia o evento, e foi levada de helicóptero para um hospital.
Um fato curioso e que, de certa forma, compõe o lado “que deu certo” do festival, foi a ausência, segundo Dr. Abruzzi, de casos de violência interpessoal.
Como você já deve ter percebido, é tanta história que fica difícil escolher sobre o que falar.
Neste artigo, por exemplo, você pode conferir (em inglês) relatos de diversas pessoas que participaram da verdadeira aventura que foi não só estar em Woodstock, mas tentar chegar ao festival.
Houve quem dormiu no carro, quem teve sua barraca invadida por saqueadores e até quem atolou o carro na lama e foi socorrido por motoqueiros.
O que não falta é material sobre o evento. Por isso, separamos algumas dicas para quem quer mergulhar na história de Woodstock, o maior festival de todos os tempos.
Bem, o primeiro você já sabe, certo?
“Woodstock — 3 dias de paz, amor e música”, dirigido por Michael Wadleigh, leva você em uma verdadeira viagem no tempo. São mais de três horas de filme, o que pode assustar alguns, mas se você consegue maratonar séries, também vai conseguir assistir a esse clássico!
Uma obra mais recente, mas que consegue recapitular grandes momentos do festival é “Woodstock: 3 dias que definiram uma geração”. Ideal para quem gosta de um bom documentário cheio de imagens de arquivo!
Para os adeptos da ficção, a dica é “Aconteceu em Woodstock”, filme baseado na história do festival e com uma pitada de bom humor.
A literatura sobre o Festival de Woodstock tampouco deixa a desejar.
Além do já citado “Aconteceu em Woodstock”, de Elliot Tiber, que traz detalhes sobre o problema financeiro de sua família que teria levado à realização do festival, uma ótima opção é o livro “Woodstock”, de Peter Fornatale.
A obra é dividida em três partes, e cada atração de Woodstock ganhou um capítulo do livro para si. O autor reúne depoimentos de todo mundo que participou: desde quem trabalhou nos bastidores até anônimos da multidão, além de artistas como Jimi Hendrix, Janis Joplin e Jerry Garcia.
Por fim, o best-seller do New York Times “A estrada para Woodstock”, de Michael Lang, conta basicamente tudo o que você precisa saber sobre o festival, revivendo a magia dos três dias do verão de 1969 em que um sonho virou realidade.
Para um episódio especial dos 50 anos de Woodstock, o podcast Quem Somos Nós convidou o jornalista e curador musical Alexandre Matias para bater um papo sobre o festival.
O resultado é uma conversa profunda que vai muito além de Woodstock, passando até pelo Brasil.
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