Em reunião encerrada nesta quarta-feira, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) elevou a taxa básica de juros da economia, a Selic, em 0,75 ponto percentual, para 2,75%.
Superando a expectativa do mercado financeiro, que projetava uma alta de 0,5 ponto percentual, o movimento dá início a um novo ciclo de alta da Selic, tirando a taxa básica de juros do seu menor patamar histórico, de 2%, no qual estava desde agosto de 2020.
Mais do que isso: o Banco Central também avisou que, se o cenário se mantiver para a próxima reunião, a tendência é de mais um aumento de 0,75%, que levará a Selic a 3,5%.
O principal motivo para a decisão — a primeira alta da Selic em seis anos — é uma aceleração da inflação, que deixava a Selic em patamar considerado insustentável por analistas e gestores.
Mas para onde vai a Selic e como esse novo ciclo de alta impacta os seus investimentos? Seria hora de olhar com carinho para a renda fixa novamente?
Em busca dessas respostas, conversamos com Celson Plácido, CIO da Warren, e Igor Cavaca, gestor da Warren Asset.
Vamos entender melhor o cenário? Boa leitura!
Em primeiro lugar, precisamos contextualizar o momento atual da taxa de juros básica da economia brasileira.
A Selic, não custa lembrar, é um instrumento utilizado pelo Banco Central para conduzir a política monetária.
Ela é praticamente onipresente em discussões do mercado financeiro, porque, como o próprio nome diz, serve como base para praticamente todos os juros praticados no país, de empréstimos a financiamentos, passando por aplicações financeiras.
O Banco Central tem como um de seus principais objetivos manter a inflação sob controle, e o Selic é uma das principais ferramentas para isso.
A lógica é simples de entender:
É nessa eterna gangorra que o Copom atua, de olho, também em outros indicadores e fatores, como a saúde fiscal do país.
Entre 2009 e 2016, a Selic oscilou entre 7,25% e 14,25%. Você certamente lembra dos últimos momentos do governo Dilma, com a Selic em 14,25% e uma inflação também de dois dígitos.
A última alta da taxa havia sido registrada em julho 2015.
Desde então, com a mudança na política econômica, a Selic vem caindo gradativamente.
Antes da pandemia, em 2020, a taxa estava estava em 4,25%, quando passou por um novo ciclo de queda, a fim de estimular a economia em meio à grave crise provocada pelas restrições de isolamento social, na tentativa de evitar o agravamento da pandemia.
Em agosto de 2020, a Selic chegou a 2%, o menor patamar histórico. Agora, com o retorno a 2,75%, temos o início de um ciclo de alta que, de acordo com a expectativa do mercado financeiro, vai levar a Selic a 4,5% ainda em 2021.
Confira, no gráfico abaixo, a evolução da Selic ao longo dos últimos anos:
Mas, afinal, o que está por trás da decisão do Copom de elevar a Selic para 2,75%? É o que vamos entender em detalhes agora.
O principal motivo apontado por analistas e gestores para o início de um novo ciclo de alta da Selic é a chamada estagflação.
Ela ocorre quando há estagnação econômica, mas a inflação persiste.
“Estávamos vivendo um momento de estagflação, onde temos uma inflação persistente, acima de 5% nos últimos 12 meses, e um juros de 2%, não faz sentido esse juro real”, explica Celson Placido, CIO da Warren.
Ele concordou com a elevação de 0,75%, um número maior do que o mercado esperava.
“A correção disso deve ser rápida, com altas maiores, iniciando o ciclo de elevação de juros, mas por outro lado, temos uma economia ainda sentindo os efeitos recessivos”, diz.
Gestor da Warren Asset, Igor Cavaca complementa explicando que a taxa de juros no menor patamar histórico acabou não provocando o crescimento esperado da economia.
“A gente já está há bastante tempo com uma política de juro real negativo, e ela não surtiu tanto efeito como era esperado, muito em face de um outro ponto que está afetando, a incerteza. Então o Banco Central incentiva o investimento, mas o problema é que isso não está acontecendo, porque os investidores e consumidores estão em um cenário muito incerto, sem realizar consumo e investimentos”, detalha Igor.
Entre os motivos para essa quebra de expectativas, Igor menciona a instabilidade política e o agravamento da pandemia. “Afetou o fato de a gente não ter tomado as decisões que o mercado internacional tomou, de tentar vacinar a população o mais rápido possível”, diz.
“Estamos em uma terceira onda, enquanto quem conseguiu se vacinar já está se recuperando. A gente está fechando tudo de novo, e isso vai fazer com que a gente saia atrasado frente aos outros países. Vai demorar mais para abrir a economia, e tudo isso gera incerteza. A pessoa para de consumir, na expectativa de que amanhã pode ser pior”, explica.
Ele lembra, também, que o Brasil está com uma taxa de juros mais baixa do que a de seus pares, países emergentes ou em desenvolvimento.
A inflação, medida pelo IPCA, acelerou nos últimos meses, atingindo a faixa de 5,2% em fevereiro.
O aumento de preços é sentido principalmente entre a população mais pobre, porque ela precisa utilizar um percentual mais elevado da própria renda para consumir.
Além disso, a inflação dos alimentos foi uma das principais vilões na cesta de produtos monitorada pelo IBGE.
Dados do IPEA mostram que a inflação sentida pelas famílias brasileiras mais pobres foi de 6,75% nos últimos doze meses, o dobro do impacto sentido pelas famílias mais ricas, de 3,43%.
Analise o gráfico para entender mais:
Entre as explicações para o aumento de preços, além do choque de demanda, está a elevação do preço do dólar.
E a expectativa do mercado financeiro é de que o câmbio também diminua, agora que o Copom sinalizou um novo ciclo de alta para a Selic.
Nos últimos doze meses, o dólar se valorizou em mais de 40% em relação ao real, avançando rapidamente da casa de R$ 4,40 para R$ 5,70.
Há uma série de motivos que podem ser elencados para isso, como a busca de investidores internacionais por investimentos mais seguros em tempo de pandemia, a crise política, fiscal e sanitária enfrentada pelo país e a manutenção da Taxa Selic no menor nível histórico.
Por parte da Selic, espera-se que uma elevação dos juros atraia mais investidores estrangeiros para o país, porque os títulos públicos do país passam a pagar um prêmio maior aos investidores.
Neste contexto, é preciso analisar os títulos públicos de cada país em comparação com os demais.
Com o histórico brasileiro, a instabilidade política e a situação fiscal do país, em que o endividamento se aproxima de 100% do PIB, é natural que investidores internacionais, que podem alocar recursos em qualquer país,vejam o país com ceticismo e prefiram investir em países mais seguros e com taxas semelhantes, ou que tenham risco parecido, mas paguem mais.
Para ilustrar, reunimos, abaixo, a taxa de juros real de países ao redor do mundo depois da decisão do Copom, conforme levantamento da QR Capital:
País | Taxa de juro real |
Japão | -0,04% |
Dinamarca | -0,2% |
Suíça | -0,25% |
Reino Unido | -0,6% |
Estados Unidos | -0,62% |
Brasil | -2,33% |
Argentina | -7,58% |
“Se iniciarmos uma subida de juros, muito provavelmente o recurso vai voltar para o Brasil. O que eu espero é algo em torno de R$ 5 para o final de 2021. É esperado que caia o dólar”, explica Igor.
No último relatório Focus, divulgado pelo Banco Central, o mercado projetou o dólar a R$ 5,30 no final de 2021 e a R$ 5,20 no final de 2022.
Vale lembrar, como mencionamos, que o risco fiscal, os sinais ambíguos do governol e o agravamento da pandemia também contribuem para esse cenário.
Em seu comunicado, o Copom explicou que a decisão de elevar a Selic em 0,75% foi unânime, e detalhou o cenário base com o qual o comitê trabalha, destacando o avanço da inflação.
“As diversas medidas de inflação subjacente apresentam-se em níveis acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta para a inflação”, diz a nota enviada pelo Copom à imprensa.
Uma das explicações é elevação no preço das commodities, que “tem afetado a inflação corrente e causou elevação adicional das projeções para os próximos meses, especialmente através de seus efeitos sobre os preços dos combustíveis.”
O Copom diz que, “apesar da pressão inflacionária de curto prazo se revelar mais forte e persistente que o esperado, o Comitê mantém o diagnóstico de que os choques atuais são temporários, mas segue atento à sua evolução”.
Entre os cenários de risco para esse cenário base da inflação, o Copom aponta que, por um lado, “o agravamento da pandemia pode atrasar o processo de recuperação econômica, produzindo trajetória de inflação abaixo do esperado”.
Esse seria um cenário em que a inflação ficaria abaixo do que o Copom está projetando.
Por outro lado, o comitê também trabalha com cenários de risco em que a inflação pode ser ainda mais pressionada, principalmente no que diz respeito à situação fiscal do Brasil.
“Um prolongamento das políticas fiscais de resposta à pandemia que piore a trajetória fiscal do país, ou frustrações em relação à continuidade das reformas, podem elevar os prêmios de risco. O risco fiscal elevado segue criando uma assimetria altista no balanço de riscos, ou seja, com trajetórias para a inflação acima do projetado no horizonte relevante para a política monetária.”
Novamente, o órgão passou um recado a favor da continuidade do processo de reformas, entre as quais podemos citar a reforma administrativa e a reforma tributária, que surgem como prioridades do governo no momento.
Finalmente, o Copom considera que a economia já recuperou boa parte da queda por conta da pandemia no primeiro semestre de 2020, o que não justifica um “grau de estímulo extraordinário”, que nada mais é do que a Selic em sua mínima histórica.
No fim do comunicado, o comitê deixou um recado claro para a próxima reunião, o que não costuma acontecer com frequência.
“Para a próxima reunião, a menos de uma mudança significativa nas projeções de inflação ou no balanço de riscos, o Comitê antevê a continuação do processo de normalização parcial do estímulo monetário com outro ajuste da mesma magnitude.”
Outro ajuste de mesma magnitude (0,75%) levaria a Selic já para 3,5%.
Uma mudança no valor da Selic causa impacto direto sobre o rendimento dos títulos de renda fixa, já que boa parte deles é atrelado ao CDI, que acompanha a Selic.
Apenas para fins de comparação, o Tesouro Selic entrega uma rentabilidade bruta de 100% do CDI. Esse título passa a render 0,75% a mais do que antes, com a mudança na Selic.
Na prática, porém, a renda fixa continua com juro real negativo, porque a inflação projetada para os próximos doze meses, segundo o mais recente Boletim Focus, é de 4,27%.
Portanto, o Brasil continua com juro real negativo de -1,52% neste cenário de renda fixa.
Para Celson Placido, isso significa que os investidores continuarão precisando toma risco para obter ganho real.
“O mais importante é o cliente olhar o juro real, que nada mais é do que a diferença da aplicação menos a inflação. O juro real era negativo em 3%, mesmo com uma alta da Selic para 5% até o final do ano, o juro real será próximo a zero pelas projeções, ou seja, o brasileiro precisará tomar risco para obter um retorno real”, diz.
Igor Cavaca pensa da mesma forma. “A gente estava numa taxa insustentável. Está abaixo do mínimo. Enquanto a gente não chegar no mínimo, a relação que estamos hoje permanece”, explica.
Aqui, é preciso contextualizar que, mesmo com a Selic em seu menor patamar histórico e um cenário de juro real negativo, a renda fixa nunca deixou de ser parte da carteira de investidores diversificados.
Nas carteiras da Warren, não é diferente, já que os títulos de renda fixa, sejam títulos públicos ou de crédito privado, permitem reduzir a volatilidade da carteira, o que é esperado principalmente em objetivos de curto prazo e para investidores de perfil mais conservador.
Assim, a renda fixa tradicional continua com juro real negativo com a Selic em 2,75%, mas nem por isso deixa de fazer parte de portfólios diversificados.
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