Viés da ancoragem: por que ele funciona e como se proteger  

O viés de ancoragem é um viés cognitivo que ocorre quando existe uma âncora de preços para um determinado produto ou serviço. Essa âncora acaba afetando — e deturpando — a sua tomada de decisão. 

Tenho certeza de que você já se deparou com esse viés no seu dia a dia. Quer ver?

Provavelmente você já entrou em uma loja, encontrou um produto com preço extremamente elevado e concluiu que ninguém em sã consciência pagaria tanto dinheiro por aquele produto. 

Se você pensou dessa forma, provavelmente acertou. 

Mas o que você provavelmente não sabe é que o produto não está ali com o objetivo de ser vendido. 

Ele está exposto para criar uma âncora de preços no seu cérebro.

Começou a ficar mais claro?

Nesse artigo, vamos nos aprofundar no viés da ancoragem, também conhecido como efeito de ancoragem, um viés cognitivo que enfrentamos diariamente e que pode afetar o seu desempenho como investidor.

Boa leitura!

O que é viés da ancoragem?

O que é viés da ancoragem?, ilustração

O viés da ancoragem, também conhecido como efeito de ancoragem, ocorre quando você é exposto a uma informação prévia e passa a utilizar essa informação na sua tomada de decisão. Ele é um viés cognitivo porque funciona como âncora: sem essa informação prévia, a sua tomada de decisão poderia ser diferente.

Vamos entender como ele funciona e como foi descoberto?

Como funciona o viés da ancoragem

Como funciona o viés da ancoragem, ilustração

A heurística de ancoragem foi teorizada pela primeira vez por Amos Tversky e Daniel Kahneman, porém ela já deveria ser conhecida por negociantes do mundo todo há milhares de anos. 

Voltando a Tversky e Kahneman: em um experimento, foi solicitado que os participantes estimassem o produto da multiplicação dos números 1 até 8

Eles dividiram os participantes em dois grupos. 

O primeiro recebia os números alinhados do menor para o maior:

  • 1 × 2 × 3 × 4 × 5 × 6 × 7 × 8 = ? 

Já o segundo grupo recebia a sequência invertida:

  • 8 × 7 × 6 × 5 × 4 × 3 × 2 × 1 = ?

Foram dados apenas 5 segundos para se chegar ao resultado, um tempo curto demais para os participantes efetuarem o cálculo correto. 

Depois desse prazo, os participantes precisavam informar uma estimativa para o resultado. 

Na primeira amostra, a estimativa mediana foi de 512. Na segunda amostra, foi de 2.250

A propósito, o resultado correto nos dois casos é de 40.320.

O experimento da roleta e o viés da ancoragem

Em um outro experimento, a dupla de psicólogos rodava uma roleta viciada que sempre parava no número 10 ou 65. 

Após a roleta parar, eles perguntavam aos participantes qual a porcentagem dos países membros da ONU faziam parte do Continente Africano. 

Quando a roleta parava no 10, o palpite médio era de que elas representavam 25%. Quando parava em 65, a estimativa média subiu para 45%.

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O viés da ancoragem nos investimentos

Se mesmo um número aleatório afeta nossas estimativas, o preço de compra de um título facilmente se transforma em um ponto de referência fixo (ou âncora) para a tomada de decisões subsequentes sobre aquele título. 

Isto é um erro: sempre deveríamos pensar em liquidar ou manter um investimento em função das suas perspectivas futuras, e não do preço passado.

Uma das diversões que tenho quando estou na praia é observar os negociadores de redes, que provavelmente não tem nenhum conhecimento da teoria da ancoragem, mas utilizam com maestria este recurso. 

Tão logo eles se aproximam de um potencial cliente, eles logo mostram o produto mais caro e que é apresentado pelo dobro do valor final que eles estão dispostos a vender.

Marcando esta âncora inicial de preço, eles começam a mostrar outros produtos com preços menores, que parecem baratos em relação ao primeiro produto. 

É a milenar estratégia de negociação executada por quem não tem nenhum conhecimento dos estudos de finanças comportamentais.

Agora, talvez você esteja pensando que a ancoragem é algo que só afeta pessoas com pouca experiência ou que é um truque muito simples de ser detectado, não é mesmo? 

Vejamos: no dia que estou escrevendo este artigo, o preço médio unitário das ações que compõem o Ibovespa é de R$ 25,36. 

A ação com o maior valor custa R$ 75,00, e a de valor mais baixo, R$ 2,29. 

Cerca de 60% das ações custavam entre R$ 15 e R$ 40, e isso não é apenas uma coincidência.

As ações têm preços próximos porque as empresas utilizam do mecanismo de split e inplit, ou divisão e aglutinação das suas ações para manterem os preços próximos aos R$ 30. 

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Essas ferramentas não alteram o patrimônio do acionista, nem o capital social da companhia, apenas a quantidade de ações na carteira

Ou seja: um mecanismo apenas de efeito psicológico, pois uma ação custando RS 14,00 parece muito mais atrativa do que se custasse R$ 450,00 não é mesmo?

A ancoragem é fácil de demonstrar, mas difícil de explicar e mais complicado ainda é conseguir evitar seus efeitos. 

Várias teorias tentam explicar o que causa a ancoragem, porém, não há consenso sobre qual é a melhor.

Em um estudo sobre os efeitos da ancoragem nas decisões judiciais, os pesquisadores descobriram que mesmo profissionais jurídicos experientes foram afetados pela ancoragem. 

Isso permanece verdadeiro mesmo quando as âncoras fornecidas foram arbitrárias e não relacionadas ao caso em questão.

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Como se proteger contra o viés da ancoragem?

Como se proteger contra o viés da ancoragem?, ilustração

O que podemos fazer para minimizar os efeitos da ancoragem nos nossos investimentos? 

Em primeiro lugar, é preciso sempre entender que o valor que pagamos por um ativo, ou um valor que ele tenha atingido no passado, não são bons guias para tomarmos a decisão se devemos comprar ou vender.

Isso porque o valor de um ativo não está no passado, mas sim na sua capacidade de trazer resultados no futuro.

Quando você possui um ativo e está sem saber se deve vender, pense: se eu não estivesse com este ativo em carteira, eu compraria? 

Se a resposta for não, então é hora de vender.

E se você está arrependido por não ter comprado um dado ativo no passado, pense: será que ainda faz sentido ter este ativo em carteira? 

Se eu tivesse comprado no passado, agora gostaria de vender? Se a resposta for não, então provavelmente é hora de comprar aquele ativo.

O mercado não está nem um pouco preocupado com o preço que você comprou, vendeu ou deixou de comprar um ativo no passado. 

Só o que move o mercado é a expectativa de lucros futuros — e mais nada.

Espero que este texto te ajude na difícil tarefa de evitar o viés da ancoragem.

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