O fenômeno de custos afundados é um viés cognitivo que leva as pessoas e os investidores a tomarem decisões com base em perdas que já não podem ser recuperadas.
O fenômeno de custos afundados fica claro, por exemplo, quando um investidor leva em consideração o montante já investido em uma ação que está em queda livre, e decide aumentar ainda mais os aportes para recuperar o prejuízo.
Mas você sabe como esse conceito surgiu e por que ele afeta tantos investidores?
Neste artigo, você vai entender o que é o conceito de custos afundados, ou custos irrecuperáveis, e vai descobrir como se proteger contra ele.
Boa leitura!
Indice
Custos afundados é o nome dado a recursos que, depois de empregados, já não podem ser recuperados. Quem não percebe esse fenômeno pode acabar incorrendo em prejuízos diversos. No mercado financeiro, isso ocorre em especial quando investidores optam por aumentar os investimentos em ações perdedoras, considerando na decisão apenas o dinheiro que já foi perdido.
Segundo a teoria da utilidade esperada, base das finanças tradicionais, os agentes econômicos são avessos ao risco.
Uma pessoa normal não aceitaria uma aposta justa de cara ou coroa em que, se der cara, ela paga R$ 100 mil e, se der coroa, ela ganha o mesmo valor.
Quanto maior a proporção de patrimônio representada pelo valor da aposta, maior a aversão ao risco.
As loterias desafiam essa proposição. Para os defensores da utilidade esperada, nas apostas em que o retorno é menor do que o valor justo, os valores apostados são muito pequenos em relação ao patrimônio das pessoas.
Assim, o jogo é uma forma de diversão, não uma decisão econômica em si.
Como mencionamos no artigo sobre vieses cognitivos, Daniel Kahneman e Amos Tversky notaram que os agentes econômicos avaliam o risco em relação a mudanças do estado de riqueza.
Segundo os autores, a função de avaliação de riscos é uma função com forma de “S”.
Assim, o gráfico é côncavo para ganhos e convexo para perdas, exibindo uma redução de sensibilidade tanto no que se refere a ganhos quanto a perdas, ou seja, nas duas direções.
Além disso, tem uma curvatura no ponto zero, sendo mais íngreme para perdas pequenas do que para ganhos pequenos.
Resumindo: somos avessos ao risco, sim.
E somos mais avessos à medida que o valor aumenta em relação ao nosso patrimônio, mas apenas quando estamos no campo dos ganhos.
Quando estamos no campo das perdas, somos propensos ao risco.
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Quando eu ainda era estudante universitário, no início dos anos 1980, fui fazer uma viagem de estudos ao Oeste Catarinense para conhecer as empresas Sadia, Aurora e Perdigão. Voltei da viagem encantado com o setor.
Ali se desenvolveu um forte apego com a Perdigão, que tinha aberto seu capital recentemente, então comecei a comprar ações da empresa.
No início dos anos 1990, as ações passaram a cair de preço, e eu não tive a racionalidade de tentar entender a queda.
Simplesmente me parecia absurdo que uma organização que eu julgava tão boa estivesse com um valor tão baixo.
Decidi comprar mais ações.
Como o valor delas havia caído, o meu preço médio por ação se reduzia a cada nova compra.
Meu portfólio de investimentos começou a ficar totalmente desbalanceado, já que o percentual da Perdigão foi ficando cada vez maior.
Desolado, tive que me render e admitir que a empresa passava por fortes problemas, sendo o mais grave o sucessório. Meu prejuízo foi enorme.
Eu não conhecia o efeito dos custos afundados, mas fui vítima dele. Foi um típico erro de principiante, porém algo me consola: alguns anos antes duas superpotências econômicas também sofriam do fenômeno dos custos afundados.
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Em 1962, França e Inglaterra assinaram um tratado para desenvolver uma aeronave supersônica comercial.
O nome Concorde foi escolhido por ter o mesmo significado nas duas línguas e marcar a união de duas nações em um megaprojeto que revolucionaria a aviação mundial.
No início dos anos 1980, a inviabilidade comercial da aliança anglo-francesa no seu jato supersônico já era evidente, porém os governos consideravam que os elevados valores investidos não permitiriam recuar e continuaram a enterrar enormes quantidades de dinheiro tentando salvar o projeto.
Foi só com um acidente em 2000 que se encerrou definitivamente a história do Concorde.
O fenômeno dos custos afundados também é conhecido como “falácia do Concorde”.
E mesmo com um caso tão famoso como esse, trata-se de um viés que não para de causar prejuízos.
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O caso das empresas X de Eike Batista é um exemplo de como o fenômeno afeta os investidores iniciantes.
Quando a companhia de petróleo entrou em franca decadência, muitos pequenos investidores começaram a comprar as ações da empresa na tentativa de baixar o preço médio, pois não acreditavam que o negócio estivesse rumando para a total insolvência.
Essa tentativa de reduzir o preço médio é conhecida como pirâmide invertida. Vamos a um exemplo:
Finalmente, a empresa vai à falência e o investidor perde todo o dinheiro.
Existe um ditado no mercado financeiro que diz “não se deve tentar segurar uma faca enquanto ela estiver caindo”.
E é justamente o que a falácia do Concorde leva as pessoas a fazerem.
Para evitar a propensão ao risco no campo das perdas, o investidor deve sempre tentar tomar as suas decisões de investimentos sem considerar as perdas do passado.
Eventuais prejuízos pretéritos não deveriam influenciar as decisões dos investidores.
E você, já foi vítima dos custos afundados? Se ainda não foi, meus parabéns. Se já foi, aprendeu a lição?
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