Passava das 13 horas de sábado, horário de Brasília, quando o democrata Joe Biden foi anunciado pelos órgãos de imprensa como o próximo presidente dos Estados Unidos.
O ponto final em uma das mais longas, acirradas e polêmicas disputas eleitorais da história dos Estados Unidos veio após a confirmação de vitória de Biden na Pensilvânia, estado que garantiu a ele o número de delegados necessários para a eleição.
Com mais de 75,5 milhões de votos totais, Biden pode chegar à marca de 306 delegados quando a apuração for encerrada, considerando a liderança nos estados de Arizona e Georgia.
Entre os pontos que marcaram a eleição norte-americana em 2020, estão a campanha em plena pandemia do Covid-19, os milhões de votos por correio, a disputa voto a voto em estados polarizados, como Flórida, Georgia, Pensilvânia e Michigan, a falta de precisão das pesquisas e o recorde de eleitores que exerceram o seu direito a voto, fazendo de Joe Biden, candidato democrata, o mais votado da história da democracia americana.
Atual morador da Casa Branca, Donald Trump deve ser o primeiro presidente a não se reeleger desde 1992. A derrota, como alguns analistas já imaginavam, não está sendo silenciosa: além de se auto-declarar vencedor na madrugada de quarta-feira, quando os votos ainda estavam sendo contabilizados, Trump acusou o sistema de ser fraudulento, sem apontar indícios ou provas, e pediu, no Twitter, a interrupção da contagem dos votos.
No mercado financeiro, a reação foi positiva. Na quarta-feira, quando o cenário se consolidou a favor de Biden, o índice Ibovespa subiu 1,97%, repetindo a alta na quinta-feira. Nos Estados Unidos, o otimismo foi ainda maior, com alta de 2,21% do S&P 500, índice formado pelas 500 maiores empresas americanas, e 3,85% do índice Nasdaq, formado principalmente por empresas de tecnologia, como as FAANG.
Mas o que está por trás desse otimismo? Como as empresas serão afetadas com a mudança no cargo mais importante do mundo? O que esperar de Joe Biden no poder e como isso pode afetar o Brasil?
Neste artigo, vamos tentar responder estas e outras perguntas.
Para começar, é preciso entender o que a disposição do Senado e da Câmara dos Representantes comunica aos investidores.
Indice
Antes da eleição, existia uma expectativa, com base em pesquisas eleitorais e outros levantamentos, de que o partido Democrata, de Joe Biden, seria capaz de provocar uma “Blue Wave”, ou “Onda Azul”, elegendo o presidente, mantendo a maioria na Câmara dos Representantes, uma espécie de Câmara dos Deputados, e conquistando a maioria do Senado, que atualmente pertence ao partido Republicano, de Donald Trump.
Com essa composição, em que os democratas dominariam a Câmara, o Senado e a presidência, Biden teria caminho aberto para aprovar reformas estruturais, com algumas propostas consideradas extremas pelos investidores, como o aumento de impostos ou mudanças regulatórias.
Com o Senado republicano, no entanto, essa expectativa não se confirmou. Na prática, a interpretação do mercado é de que as propostas de Biden serão atenuadas para que ele consiga a aprovação no Senado.
Historicamente, uma formação com divisão de força nos poderes tem representado, de alguma maneira, a manutenção do status quo, o que reduz a imprevisibilidade dos cenários, o principal pesadelo dos investidores.
Sem medo de medidas extremas, os investidores enxergam um cenário de moderação e equilíbrio, o que cria um clima mais confortável e seguro para se posicionar.
Outro motivo para o otimismo dos mercados está no política fiscal que deve ser adotada por Biden. Vamos entender melhor a seguir.
É praticamente um consenso entre analistas que Biden executará, com base na seu plano de campanha, uma política fiscal mais expansionista, com mais investimentos do governo.
Além disso, Biden também é mais favorável ao comércio internacional, ao contrário de Trump, que repetia mantras como “America first” e colocou em prática medidas de protecionismo, para proteger os empregos e a indústria norte-americana.
Como resultado dessas duas mudanças, a expectativa é de que haja, ao menos no curto e médio prazo, uma depreciação do valor do dólar frente a outras moedas.
Analista de renda variável da Warren, Igor Cavaca concorda com a tese. “É natural esperar uma depreciação do dólar frente a outras moedas. Existe a expectativa de uma política mais bilateral com Biden no poder. A gente teve apreciação do dólar nos últimos anos e principalmente no último ano. A ideia é que, com a política mais bilateral, com redução de medidas protecionistas do Trump, commodities como aço, minério, milho e outras acabem se valorizando”, indica.
Sobre a política fiscal do governo, Igor lembra que os democratas têm uma política fiscal mais expansionista. “Governos democratas utilizam muito o estado para incentivo da produção e consumo. Republicanos focam mais no setor privado, criam ambientes que incentivem mais as empresas e atuam de forma menos intensa”, diz.
“Em geral quando a gente tem política fiscal expansionista, há um movimento ascendente do nível de preços, a inflação. Vamos ver a inflação acelerar, porque o governo consegue consumir com intensidade. Pela paridade do poder de compra, isso vai fazer com que o dólar se deprecie”, conclui.
Ele lembra, porém, que isso talvez não signifique, necessariamente, uma valorização forte do real frente ao dólar. “Não necessariamente o real vai se valorizar. O dólar é a moeda mundial, utilizada por muitos países como reserva financeira. O real pode se apreciar um pouco, mas é claro que tem o comportamento próprio do real também. A inflação do Brasil está crescendo, há risco político e fiscal altos. O valor da moeda se dá pela oferta e demanda, mas efetivamente outros fatores também vão impactar e podem suplantar esse efeito”, avisa.
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Um dos temores dos investidores, durante a campanha, residia no fato de que Biden poderia implementar regulações que penalizariam, de alguma forma, as chamadas big techs, grupo formado pelas maiores empresas de tecnologia do mundo, como Amazon, Facebook, Google e Apple.
Com o Senado controlado pelos republicanos, esse medo se dissipou, e as ações responderam. As ações do Facebook avançaram 8% na quarta-feira, enquanto as ações do Google subiram 7% e as da Apple tiveram alta de 4%. Como resultado, o índice Nasdaq teve alta superior a 3,8%, na quarta-feira, o melhor desempenho do índice desde abril.
Ao longo do ano, as empresas de tecnologia já vinham chamando atenção por sua performance, que superou em muito a média do mercado, formado pelo índice S&P 500.
Durante a quinta-feira, enquanto a vantagem se consolidava para Biden, o humor dos mercados não mudou. Confira como os principais índices fecharam um dia marcado pelo acompanhamento frenético dos estados que ainda não apuraram todos os votos.
Aqui, a análise caminha no sentido de uma projeção de empresas e setores que podem ser beneficiadas em um cenário com Biden na presidência.
“Em geral, haverá um maior incentivo em ampliar o consumo, então as empresas que produzam mais itens de necessidade podem ser beneficiadas com aumento da demanda, o governo pode fazer diversas políticas de transferência de renda ou incentivar o consumo”, diz Igor. “Com desemprego alto, precisa manter consumo alto, e em geral esses itens de maior necessidade podem se beneficiar”, aponta.
Além dessas empresas, analistas também apontam um cenário favorável ao setor de biotecnologia e às empresas que estão alinhadas a políticas ESG, porque, ao contrário de Trump, Biden dá atenção ao tema e pode implementar projetos que beneficiem essas empresas do ponto de vista regulatório.
Um exemplo fácil, aqui, é a Tesla, que investe pesado na produção de carros elétricos e tem a ambição de transformar a matriz energética nos Estados Unidos.
No cenário brasileiro, Igor entende que as empresas produtoras de commodities podem se valorizar no médio prazo. “Frigoríficos, siderúrgicas e indústria de celulose tendem a ganhar bastante porque estamos com dólar depreciado e pode haver aumento do consumo, então o setor de matéria prima básica ainda vai ter um momento interessante”, afirma o analista de renda variável da Warren.
Ele aponta, no entanto, que mudanças como essas não ocorrem do dia para a noite, ainda que o mercado sempre precifique o futuro. “Ainda vai ter bastante tempo para observar uma mudança expressiva. Por um ou dois anos, precisa incentivar todos os setores como um todo, porque todos foram muito abalados e qualquer política mais forte pode trazer impactos negativos”, diz.
Como explicamos no nosso artigo introdutório sobre as eleições americanas, é impossível determinar uma correlação clara entre o desempenho do mercado de ações norte-americano, medido pelo S&P 500, e o partido do presidente que ocupa a Casa Branca.
Para ilustrar, o banco de investimento Liberum montou um estudo com dados de 1947 a 2020, e descobriu que o S&P 500 cresceu, em média, 10,8% durante mandados com democratas no poder, enquanto o crescimento com os republicanos foi de 5,6%.
No fórum Reddit, um usuário montou um gráfico, há um ano, detalhando a evolução do principal índice de ações, de acordo com cada presidente no poder.
São dados parecidos aos obtidos pelo Ychart, conforme você vê abaixo:
Quando consideramos efeitos externos e outros elementos que não estão associados a ações dos presidentes, notamos que é impossível traçar uma relação direta entre o desempenho histórico da Bolsa e o partido de quem ocupa o poder.
Aqui, novamente, só podemos fazer suposições. Com Biden praticando uma política comercial que é mais aberta ao comércio internacional, há expectativa de que os mercados emergentes possam ser beneficiados, como México, Brasil, índia, China e Rússia.
Mas não é novidade para ninguém que o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, possui um forte alinhamento com o atual presidente, Donald Trump, tendo declarado, mais de uma vez, sua torcida pela reeleição do republicano.
“No Brasil, temos um agravante que pode atrapalhar que são a relação internacionais do nosso país. Além disso, há questões ambientais que talvez não fossem importantes para o Trump, mas Biden já deixou claro que são importantes para ele. Temos esse potencial risco que pode impactar, mas acho que talvez não vá acontecer de forma direta, pelo momento que a gente está e todas as possíveis consequências”, afirma Igor.
É preciso lembrar que Biden tem uma tendência a cobrar sanções mais eficazes do governo federal no combate às queimadas na Amazônia, como membros da União Europeia têm feito neste ano.
A título de curiosidade: Biden, ao contrário de Trump, já veio ao Brasil, na condição de vice do ex-presidente Barack Obama, em 2013. Nesta foto do acervo do jornal O Globo, ele faz uma visita ao morro Dona Marta, no Rio de Janeiro:
Indo direto ao ponto: não é recomendável alterar a sua estratégia de investimentos com base nas eleições americanas.
Na Warren, recomendamos que, dentro da renda variável, você invista em ações de boas empresas, com foco no longo prazo, utilizando a análise fundamentalista.
No longo prazo, ações de boas empresas, com vantagens competitivas, receitas e lucros crescentes, tendem a acompanhar esses resultados, valorizando o patrimônio dos acionistas.
Nosso CEO, Tito Gusmão, se manifestou de forma breve no Twitter, usando as mesmas informações sobre o retorno histórico do S&P 500 que apresentamos acima, para afirmar que “o novo presidente não muda nada no longo prazo de boas empresas. A Apple não vai vender mais/menos iPhones e a Netflix não terá mais/menos assinantes”.
Por mais que possa parecer simples, esse pensamento indica que o investidor deve direcionar seu foco para o que realmente importa no longo prazo: investir o máximo possível, dentro da sua estratégia, em boas empresas. A história nos mostra que as eleições, embora sejam excitantes e gerem ansiedade no curto prazo, são muito mais um ruído do que algum tipo de sinal para o investidor comum no longo prazo.
Embora Biden esteja prestes a alcançar matematicamente o número de delegados necessários para ser eleito presidente, Trump já acionou a justiça e promete contestar o resultado.
É natural esperar, portanto, uma recontagem de votos e mais turbulência nas próximas semanas, inclusive com receios a respeito do momento de transição entre os governos.
Como o mercado financeiro abomina a incerteza, isso pode trazer mais volatilidade aos ativos.
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