Será que a economia da China vai ultrapassar os EUA? 3 aspectos para analisar

Publicado por
Olivia Carneiro

Quando eu estava no ensino médio, falava-se muito da importância de aprendermos mandarim, pois “em poucos anos a China será dominante e todo mundo vai precisar dominar o idioma no lugar do inglês”. 

Mais de uma década depois, em uma carreira bem internacional, até hoje nunca precisei do mandarim. Não estou menosprezando a importância da economia chinesa. 

A questão é que, como economista, percebo um grande desequilíbrio entre a expectativa e a realidade em relação à potência asiática.

Hoje, o vestibular dos anos 2020 segue cobrando conhecimento acerca do mesmo contexto geopolítico que cobrava-se nos anos 2010, 2000 e 1990. 

Os professores de geografia ainda retratam uma economia chinesa próspera, com crescimento populacional abundante e com muito espaço para triunfar com a globalização. 

Acontece que, na realidade, o super boom de crescimento chinês vem desacelerando há cerca de 30 anos

Como em uma bolha de mercado, as expectativas ensinadas seguem congeladas e com uma enorme assimetria de informação.

O que mais me impressiona nesta expectativa sobre a China é o fato de ela ser irracional. Como boa economista, tenho dificuldade em fazer previsões com muita certeza. Afinal, “tudo depende”. 

Mas, se eu fosse obrigada a fazer uma aposta correndo risco de vida, diria que a China não vai ultrapassar os EUA nos próximos 100 anos. 

Claro, revoluções políticas, econômicas e tecnológicas podem mudar o rumo das coisas. 

Mas, com as informações que tenho hoje, realmente não enxergo uma possibilidade natural para a China ultrapassar os EUA.

A seguir, apresento três argumentos para dar mais racionalidade às suas expectativas.

De olho nas evidências sobre a China

As evidências são o primeiro fator que baseia minha opinião econômica. Olhando para a curva de crescimento do PIB chinês, não é muito difícil identificar que há pelo menos 10 anos a China está constantemente crescendo menos.

A economia e a física têm muito em comum. Um carro em alta velocidade precisa primeiro reduzir a aceleração (mesmo freando, ele ainda vai para frente), para depois dar ré, correto? 

Na economia é a mesma coisa: uma economia em crescimento acelerado passa primeiro pelo processo de crescer cada vez menos (redução da aceleração, o freio), até chegar no ponto em que o crescimento é negativo (a ré). 

Não serei ousada a ponto de dizer que isso vai acontecer com a China num futuro próximo. 

Esse tipo de previsão macroeconômica é tão científica como a astrologia – e eu não estou brincando. 

O que posso afirmar com alguma convicção é que são baixos os indícios de que a economia chinesa tenha o fôlego de crescimento que minha professora de geografia retratava em meados dos anos 2000.

Abaixo, trago o gráfico da variação anual do PIB chinês em %, de 1970 até o ano passado. 

Até o fim dos anos 1980, houve um movimento de aceleração, seguido pela manutenção da velocidade de crescimento até 2007. Na sequência, começamos a observar o freio (que, ressalto, não é sinônimo de ré).

Dados: Banco Mundial

Considerando a geopolítica

O segundo fator que justifica minha aposta imaginária é geopolítico

A invasão antecipada de Hong Kong, a disputa injustificada por território na Índia, e todas as ações militares do final de 2019 para cá mostram que o governo chinês está em uma clara busca por recursos alternativos. 

É um padrão estratégico comum nos estudos de conflitos globais (ainda que ultrapassado para a economia do século XXI). 

Nenhum país com um quarto de sua população vivendo na pobreza escolhe priorizar investimento em conflitos militares, a menos que enxergue uma necessidade vital em tal priorização.

Envelhecimento populacional

Por fim, um fator mais óbvio para minha aposta imaginária é a curva de produtividade da população chinesa. 

Em 2015, o governo chinês afrouxou a política do filho único. Sim, até 2015 as famílias só eram autorizadas a ter um filho na China. Sobre o assunto, recomendo o filme “The One Child Nation” para quem quiser saber mais. 

Em 2021, pelo 5º ano consecutivo, a China viu um declínio na sua taxa de natalidade, um problema que geralmente as economias atingem em um estágio mais desenvolvido. 

Com menor natalidade, o país tem o envelhecimento da população – o que significa menor mão-de-obra produtiva e mais aposentados e pensionistas para o Estado sustentar. Ou seja, uma conta difícil de fechar.

Sei que existem economistas que discordam de mim. 

Sei também que existem curiosos que ficam impressionados com o desenvolvimento tecnológico chinês, desinformados sobre o enorme sucateamento — afinal, já estamos na 4ª revolução industrial há algum tempo. É hora de ajustarem a expectativa! 

Sigo, porém, confiante na minha aposta, amparada por muitos colegas chineses (e do mundo inteiro, na verdade).

Antes de encerrar, quero deixar claro que eu sou admiradora da economia, cultura e do povo chinês. Torço, de coração, para que o cenário mude e eles consigam prosperar. Afinal, isso seria melhor para todo mundo. 

Contudo, eu também valorizo a ciência e os dados — e, infelizmente, eles indicam um futuro menos otimista para aquela que deveria ser a maior economia do mundo.

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Olivia Carneiro