Se você ligar a TV hoje à noite em qualquer noticiário que trate de economia, é bem possível que ouça uma menção à Taxa Selic.
Essa “onipresença” da Selic não ocorre por acaso — ela corresponde à taxa básica de juros do Brasil e serve como referência para todos os juros praticados no país.
Quem pensa que a Selic interessa apenas a investidores da renda fixa está enganado.
Ela representa a principal ferramenta de política monetária do governo e tem impacto direto ou indireto sobre toda a economia brasileira.
Pensando nisso, preparamos um guia completo sobre o indicador econômico mais importante do Brasil.
Neste artigo da Warren, você vai entender o que é a Taxa Selic, como ela é calculada e como ela afeta a economia nacional — e os seus investimentos.
Boa leitura!
Indice
A taxa Selic representa a taxa básica de juros do Brasil. Cada país tem seus próprios juros básicos, geralmente definidos pela autoridade monetária nacional, como os bancos centrais.
A Selic norteia todas as operações da economia brasileira que envolvem juros, como empréstimos, aplicações financeiras e financiamentos.
Em outras palavras, quando a taxa Selic sobe, os demais juros praticados no país também tendem a crescer. Pela mesma lógica, os juros costumam cair quando há um corte na Selic.
Embora pareça simples, esse processo não ocorre de forma mágica ou arbitrária. O cálculo da Selic envolve a atuação direta e constante do Banco Central no mercado interbancário de títulos públicos, como explicaremos mais adiante.
Outra característica importante da taxa Selic é que ela influencia diretamente os retornos de diversos investimentos de renda fixa, tanto dos títulos públicos quanto dos privados.
LEIA TAMBÉM | Selic em 2% ao ano: veja os impactos na renda fixa
A Selic é a principal ferramenta de política monetária do Banco Central para estabilizar a moeda e manter a inflação oficial dentro da meta do governo.
A lógica por trás do processo é a seguinte: a inflação é causada primariamente pelo consumo da sociedade.
À medida que a demanda por bens e serviços cresce, os preços em geral também aumentam; pelo mesmo raciocínio, os preços caem se a demanda diminui.
Um dos motores do consumo é a oferta de crédito — o acesso da população a empréstimos, linhas de crédito e financiamentos, por exemplo.
Quanto mais barato for o crédito, mais as pessoas tendem a gastar e, consequentemente, impulsionar a inflação.
Assim, a taxa Selic funciona influenciando o mercado de crédito para controlar o consumo: o governo reduz os juros básicos quando os preços estão caindo muito, e eleva os juros quando a inflação ameaça ultrapassar a meta.
Em outras palavras, podemos dizer que a Selic tem o efeito de aquecer a atividade econômica, ao ampliar a oferta de crédito, ou desaquecer a economia, ao limitar a quantidade de moeda em circulação.
LEIA MAIS | Dominância fiscal: o que significa, quais os riscos e como se proteger
Quando falamos em Taxa Selic, o mais frequente é nos referirmos à meta da Selic, que é determinada pelo Banco Central.
Porém, antes de explicar como a meta é definida, vamos explicar o cálculo da Taxa Selic efetiva, também chamada “Selic over”, a partir de operações bancárias.
Vamos começar com uma definição bem objetiva: a taxa Selic efetiva é a média diária dos juros dos empréstimos interbancários lastreados em títulos públicos federais.
Se a descrição parece confusa, não se preocupe. Vamos detalhar abaixo alguns conceitos fundamentais para entender essa matemática.
Primeiro, é importante saber que os títulos públicos federais são uma forma de empréstimo que o governo federal toma para financiar suas atividades.
Em termos simples, o Banco Central vende um título hoje a um preço variável e compra de volta por um valor mais alto na data de vencimento.
A variação percentual entre o valor inicial e o valor final do título corresponde aos juros.
Para comprar e vender títulos aos bancos e corretoras, o Banco Central possui um sistema exclusivo para instituições financeiras chamado Selic — Sistema Especial de Liquidação e Custódia. É daí que vem o nome da taxa básica de juros.
Outro ponto importante é que, por lei, as instituições financeiras precisam manter uma parte do dinheiro captado diariamente em uma conta do Banco Central.
Esta regra é chamada depósito compulsório e serve para regular a circulação de moeda e aumentar a estabilidade do sistema financeiro.
Assim, se uma instituição chega ao final do dia com um valor menor do que o compulsório, ela deve tomar empréstimos de outras instituições para atingir a meta prevista na lei.
Aí entra a importância da Selic: através desse sistema, os bancos podem pegar e oferecer empréstimos uns aos outros dando títulos públicos como garantia.
Estes empréstimos têm duração de curtíssimo prazo e são liquidados dentro de 24 horas.
Ao final de cada dia, o Banco Central calcula a média de todas as taxas de juros praticadas pelos bancos neste tipo de operação, e o resultado desta conta é a Taxa Selic efetiva.
A meta da Selic é determinada pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, formado pelo presidente e diretores da autoridade monetária.
A cada 45 dias, o Copom se reúne para revisar a meta da taxa Selic. Cada reunião dura dois dias, quando os membros do Comitê discutem o cenário econômico do Brasil e avaliam se há necessidade de alterar a meta.
Se o Copom concluir que a inflação está muito acelerada e ameaça ultrapassar o teto da meta, os membros podem decidir elevar a Selic meta.
Desta forma, a oferta de crédito se contrai, o consumo é pressionado e a inflação tende a desacelerar.
Do contrário, se o Comitê avaliar que a atividade econômica está baixa e precisa de estímulo, os integrantes consideram cortar a meta da Selic.
Assim, a quantidade de moeda em circulação aumenta, favorecendo o consumo e os investimentos das empresas.
Também é possível que o Copom decida manter a meta inalterada, se chegar à conclusão que o último aumento ou redução ainda não causou o efeito desejável sobre a economia.
As alterações da meta da Selic costumam ocorrer em razões relativamente pequenas. Geralmente, as mudanças são de 0,25 pp, chegando a 0,5 pp em casos excepcionais.
Ao final da reunião, o Banco Central comunica a decisão em seus canais oficiais.
Na semana seguinte, o Copom publica a ata da reunião, em que detalha os motivos para o corte, elevação ou manutenção da meta.
Para o mercado financeiro, a ata do Copom é um documento extremamente valioso.
É através deste canal que o Banco Central divulga suas perspectivas para a economia brasileira, uma “prestação de contas” essencial para manter a confiança da sociedade na política monetária.
Embora o Banco Central tenha autoridade para estabelecer a meta da Selic, ele não pode impor juros sobre os bancos.
Portanto, o Banco Central atua diretamente para direcionar a taxa básica de juros até o nível desejado.
Alguns parágrafos acima, esclarecemos que o rendimento de um título público é a variação entre o valor fixado na data de vencimento e o valor inicial de negociação.
Daí, podemos concluir matematicamente que os juros dos títulos são inversamente proporcionais ao seu preço de compra — isto é, quanto mais barato o título, maiores os juros, e vice-versa.
É exatamente essa lógica que o Banco Central segue para atingir a meta da Selic: após anunciar a decisão, ele coloca ou retira títulos de circulação para manipular os juros.
Assim, quando o Copom diz que a meta da Selic deve subir, o governo começa a vender um grande volume de títulos públicos para ampliar a oferta e pressionar o preço.
Pelo mesmo raciocínio, ao decidir cortar a meta, ele compra títulos até que os juros diminuam.
Esse é um dos motivos que tornam a taxa Selic tão importante para a economia: mais do que uma diretriz ou obrigação, ela sinaliza ao mercado a avaliação do governo sobre o quadro econômico e as ações diretas que ele irá realizar no curto prazo.
Já dissemos que a Selic serve para aquecer e desaquecer a atividade econômica de acordo com a inflação, ampliando ou reduzindo a oferta de moeda.
Em termos mais técnicos, podemos dizer que a taxa básica de juros sinaliza ciclos econômicos de expansão ou contração monetária.
Imagine a seguinte situação: você encontrou um apartamento interessante na planta.
Mesmo com a inflação em alta, você está economizando há alguns meses para dar entrada em um financiamento imobiliário.
Então, o Copom anuncia uma alta de 0,25 pp da Selic para evitar que a inflação estoure a meta do ano.
Nas semanas seguintes, os juros imobiliários crescem rapidamente, e você acaba adiando a decisão de comprar o imóvel, assim como outros interessados no mesmo prédio.
A construtora arrecada menos que o previsto e é forçada a paralisar a obra.
O revés atinge outras construtoras e chega às indústrias de aço, cimento e materiais elétricos, cortando as previsões de receita.
Endividadas, as empresas começam a demitir, o que eleva o desemprego e derruba a procura no mercado imobiliário.
Este exemplo é um pouco extremo, já que a demanda por imóveis é bastante inelástica, mas a mesma lógica se aplica a toda a economia.
Com a contração do crédito, caem as vendas de eletrodomésticos, carros, viagens e diversos outros bens e serviços.
Agora, suponhamos que o Banco Central revise o panorama econômico um ano depois e decida cortar a Selic em 0,5 pp, dando início a um ciclo de expansão.
O que acontece?
Com os preços em baixa e os juros mais baratos, as pessoas voltam a buscar linhas de crédito e consumir.
Você consegue financiar o apartamento, a obra recomeça e os preços aceleram novamente, impulsionando a inflação até o próximo corte da Selic.
Essa breve história demonstra uma característica importante dos juros: a Selic mais baixa ou mais alta não é necessariamente boa ou ruim.
A taxa de juros é uma ferramenta do governo para direcionar a economia conforme preciso, e por isso é importante revisá-la periodicamente.
No contexto do mercado financeiro, as flutuações da taxa Selic causam alguns impactos mais diretos e outros mais subjetivos sobre os investimentos.
Vamos dividir esta análise em partes:
O efeito mais imediato de uma alteração na Selic ocorre sobre os investimentos de renda fixa.
Diversas aplicações são atreladas à Selic e oferecem retornos maiores conforme ela aumenta.
O Tesouro Selic, por exemplo, é um título do Tesouro Direto indexado diretamente à Selic.
Os rendimentos destes títulos equivalem à taxa Selic acrescida de uma outra taxa, que varia conforme a data de vencimento.
A caderneta de poupança também tem retornos atrelados à taxa básica de juros. No caso deste investimento, os juros são iguais à taxa Selic mais uma taxa referencial (TR), que é determinada pelo Banco Central e está zerada desde setembro de 2017.
Já os títulos privados de renda fixa são influenciados não diretamente pela Selic, mas pelo CDI (Certificado de Depósito Interbancário), também chamado de taxa DI, que é relacionada à Selic.
Basicamente, o DI é uma operação entre bancos que segue exatamente a mesma lógica da Selic — empréstimos de curtíssimo prazo e alta liquidez para cumprir o depósito compulsório —, porém sem atuação do governo ou garantia de títulos públicos.
A taxa DI acompanha a Selic e rende em média 0,2 pp a menos que a taxa básica de juros.
A grande maioria dos ativos privados de renda fixa, como fundos de investimento, CDBs, LCIs e LCAs, costumam expressar seus retornos como porcentagens do CDI.
LEIA TAMBÉM | Conta Warren x Poupança: qual é melhor para você?
No caso da renda variável, a influência da Selic é menos imediata e mais ligada à especulação.
Por exemplo, uma alta da Selic pode incentivar investidores mais conservadores a tirar dinheiro da bolsa e aplicar em títulos públicos, atraídos pelos juros mais altos e menor risco.
Do contrário, os cortes na taxa Selic podem estimular investidores de perfil moderado ou arrojado a assumir os riscos da renda variável e migrar para a bolsa de valores.
Outro impacto da Selic está relacionado aos ciclos de expansão e contração monetária: a oferta de crédito pode representar melhores projeções de receita, particularmente em setores mais dependentes do consumo da população, como varejo e tecnologia.
Além dos investimentos domésticos, as variações na Selic também podem atrair ou afastar aportes de investidores internacionais ao Brasil.
Uma taxa de juros mais alta do que outros países pode representar uma vantagem competitiva para os investidores estrangeiros que buscam maior segurança, pela mesma lógica da renda fixa.
Já a Selic mais baixa favorece um tipo de operação internacional conhecida como carry trade, em que um investidor toma empréstimos a juros baratos em um país e investe em outro com retornos mais altos.
Atualmente, a Taxa Selic encontra-se em 2,75% ao ano.
Há dois anos, no início da presidência de Jair Bolsonaro, a taxa básica de juros era de 6,5% ao ano.
Os sucessivos cortes da Selic nos últimos anos, que levaram a Selic à mínima história sob a gestão de Roberto Campos Neto no Banco Central e Paulo Guedes no Ministério da Economia, fazem parte de uma agenda de favorecer a iniciativa privada e reduzir a dependência fiscal da emissão de títulos públicos.
No entanto, diante da crise das contas públicas que foi agravada pela pandemia da Covid-19, o déficit fiscal brasileiro se aprofundou e a arrecadação de impostos foi impactada pela recessão econômica.
Entre especialistas do mercado, há um crescente consenso de que o ciclo de expansão do crédito está encerrado.
De fato, o Banco Central elevou a Taxa Selic pela primeira vez em seis anos na reunião encerrada nesta quarta-feira, 17 de março.
Entre as justificativas para a elevação da Selic, que chegou a 2,75%, está a aceleração da inflação nos últimos meses.
Como sempre, o Banco Central também emitiu alertas a respeito da situação fiscal do governo brasileiro, cobrando o andamento de pautas econômicas no Congresso, como a reforma tributária, a reforma administrativa e a PEC Emergencial.
A Selic foi criada pelo governo em 1999, como parte das reformas econômicas do Plano Real.
Antes disso, a taxa básica de juros se chamava TBC e era determinada mensalmente pelo Banco Central.
Nas décadas de 80 e 90, o Brasil viveu um período de inflação galopante, também chamado de hiperinflação.
No ápice da crise inflacionária, em março de 1990, os preços chegaram a registrar alta de 80% em um mês.
Até então, o governo buscava o controle da inflação através de medidas paliativas, como congelamento de salários, tabelamento de preços e criação de novas moedas.
Estes planos fracassaram em conter o avanço dos preços, que só se estabilizaram a partir de 1994.
Em 1999, durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso, o governo adotou o tripé macroeconômico que vigora até hoje — metas fiscais, câmbio flutuante e metas de inflação — e determinou que a Selic seria o instrumento oficial de controle inflacionário.
Desde a sua implementação como taxa de juros oficial, o valor mais alto da Selic foi registrado em março de 1999, quando atingiu 45% ao ano.
A Selic caiu a menos de 10% pela primeira vez em 2009, chegando a 9,25% ao ano.
Pelos anos seguintes, a taxa oscilou entre 7,25% e 14,25%, até o início do atual ciclo de cortes ininterruptos em outubro de 2016.
Desde então, a taxa Selic sofreu 20 cortes sucessivos, caindo um total de 12 pontos percentuais em quatro anos até o patamar de 2% ao ano. Nesta semana, a Selic voltou a subir 0,75 p.p, a 2,75%.