Por mais experiente que você seja, iniciar uma conversa com seu potencial cliente nem sempre é uma tarefa fácil. É natural que você queira demonstrar as vantagens que a sua empresa tem em relação aos concorrentes e os bons produtos financeiros que você oferece, afinal de contas, o cliente merece um melhor tratamento para o dinheiro que ele conquistou, não é mesmo?
Aí entra um problema complicado: talvez você e seu cliente não falem a mesma língua. É possível que dinheiro para você seja uma coisa e para ele seja algo bastante diferente. Talvez um dos maiores erros que um consultor financeiro possa cometer seja pensar que dinheiro é um número.
Sugiro que você pare um pouco e pense com bastante cuidado sobre o papel que o dinheiro tem na sua vida pessoal. Seja bastante cuidadoso, pense nas mudanças que você faria na sua vida se tivesse um pouco mais de dinheiro em sua conta bancária. Pense também nas mudanças que faria se tivesse muito mais, ou muito menos.
O dinheiro como mera cifra só existe para o Homo economicus, ou Econ, ficção criada no século XIX sobre um ser plenamente racional, que está o tempo todo buscando maximizar a utilidade, com maior ganho e menor esforço. Mesmo os criadores desse ser reconheciam que ele era diferente do Homo sapiens sapiens, mas aceitavam que era “como se fosse” o próprio sapiens, ou seja, a ficção do Econ explicava o comportamento coletivo dos sapiens.
Indice
Com artigo de Harry Markowitz de 1952, Portfolio Selection, as finanças adotaram o Econ, o que culminou com a ideia de mercados eficientes consolidada por Fama. O trabalho de Kahneman e Tversky, criadores das Finanças Comportamentais, demonstrou de forma cabal que os humanos não tomam decisões financeiras de forma plenamente racional.
A teoria de eficiência de mercados ainda parece ser aquela que melhor descreve o comportamento do mercado financeiro, porém as finanças comportamentais trazem um poderoso ferramental para as finanças prescritivas. A palavra prescritiva, nesse contexto, é usada com o sentido de dar instruções sobre como se deve fazer algo.
Em meados dos anos 1990, conheci as Finanças Comportamentais e, em 2000, entrei em um doutorado nessa área. Depois de ter concluído a primeira tese na área de Finanças Comportamentais do Brasil, passei a estudar muito a área de psicologia e, entre 2009 e 2010, fiquei um ano no Center for Research in Cognition & Neurosciences da Universidade Livre de Bruxelas estudando as percepções subliminares do dinheiro.
Depois de mais de 30 anos de mercado financeiro e pesquisas acadêmicas na área, me parece bastante inverossímil a ideia de que dinheiro é uma cifra avaliada de forma idêntica para todo mundo. Para cada pessoa, existe um significado diferente para dinheiro.
Observei que duas dimensões específicas são muito marcantes na forma como as pessoas se comportam frente ao dinheiro: a das expectativas e a da sociabilidade.
O eixo das expectativas descreve a forma como encaramos a incerteza ou o risco. Em uma ponta estão os pessimistas e, do outro lado, os otimistas. Naturalmente entendendo que as pessoas reais se distribuem entre os extremos.
O eixo vertical, chamei de eixo da sociabilidade, que é traçado a partir da validação. Em Estatística, validação significa certificar-se de que um dado é verdadeiro. Algumas pessoas dependem de validação externa, outras não. As primeiras precisam constantemente do olhar alheio de aprovação. Seu valor precisa ser validado por seus semelhantes.
As pessoas do segundo caso se consideram valorosas independente da opinião dos outros. Uma pessoa com forte validação no “eu” pode ir a uma festa com uma roupa bastante diferente dos demais e talvez sequer perceba. Já uma pessoa validada nos outros ficaria extremamente constrangida ao passar pela mesma situação.
Cruzando esses dois eixos, categorizei as pessoas em quatro grupos. Para cada um deles, o dinheiro tem um significado distinto.
O primeiro quadrante é ocupado por aquelas pessoas pessimistas e validadas no eu. Para elas, dinheiro significa segurança. O dinheiro é um meio para se proteger de um futuro hostil. Como são autovalidadas, preferem que os outros nem saibam que elas têm dinheiro.
O segundo quadrante é das pessoas otimistas e validadas no eu. Para essas pessoas o dinheiro é liberdade. Ele é um meio para conseguir aproveitar a vida. Elas não se preocupam com o dinheiro, pois vivem certas de que no futuro terão muito mais do que hoje.
O terceiro quadrante é das pessoas otimistas e validadas nos outros. Para elas, o dinheiro é status. Ele é uma forma de mostrar ao mundo seu sucesso, seu valor. Para essas pessoas, não basta gastar, é preciso comunicar que estão gastando.
O quarto e último quadrante é das pessoas pessimistas e validadas nos outros. Para elas, o dinheiro é poder. É preciso comunicar aos outros que elas têm muito dinheiro – mas sem gastar. Afinal, o poder vem da opção de gastar ou não. Uma vez gasto, o dinheiro deixa de representar poder para elas.
Claro que em cada quadrante existem inúmeras outras divisões e ninguém está 100% em um ou em outro. Além disso, podemos, com algum esforço, mudar de quadrante ao longo da vida.
Em um próximo artigo, vamos mergulhar nas características de cada um desses perfis e entender os riscos e as oportunidades financeiras para cada um deles.
Por ora, gostaria que você pensasse um pouco se essas divisões fazem sentido na sua vida; em caso positivo, sugiro que procure entender o que o dinheiro significa para você. Também aconselho que você tente categorizar seus clientes nesses perfis.
Você tem dúvidas, discorda ou concorda com o modelo? Compartilhe sua opinião comigo, vou adorar conhecê-la.
Para finalizar, gostaria de dizer que a melhor forma de falar com um cliente de consultoria financeira é ouvindo; ouvindo com tanto cuidado que você possa “escutar” até o que não é dito.