Este é o terceiro e último artigo da nossa viagem pelo desenvolvimento das finanças.
No primeiro, tratamos das finanças tradicionais e sua divisão entre grafistas e fundamentalistas.
No segundo, abordamos as finanças modernas e o pressuposto da eficiência dos mercados.
Neste artigo, vamos falar do mais novo campo de estudos da área, as finanças comportamentais, ou economia comportamental, uma contraposição ao pressuposto de racionalidade dos tomadores de decisão.
Indice
A economia clássica estabeleceu o pressuposto de que a teoria da utilidade esperada é suficiente para descrever o comportamento dos agentes econômicos, pois considera que esses agentes são racionais e respeitam uma série de axiomas econômicos ao fazer escolhas.
Ou seja, para essa escola, decisões econômicas são preponderantemente racionais e deliberativas: nós sempre refletimos e tomamos decisões que aumentam nossos fatores de bem-estar (feel good factor).
Mesmo sabendo que nem todas as nossas escolhas são racionais e deliberadas, a economia clássica e, por conseguinte, as finanças modernas assumem que é possível modelar o funcionamento da economia com base apenas nas decisões racionais.
Para facilitar a utilização de modelos matemáticos, a economia e, posteriormente, as finanças viraram as costas aos seres humanos reais e passaram a considerar um universo de agentes – racionais, egoístas e maximizadores de utilidade.
O Homo sapiens deu lugar ao Homo economicus.
O conceito de “homem econômico” estava plenamente amparado pela psicologia behaviorista.
Porém, a deficiência do modelo racionalista para explicar o funcionamento da economia e dos mercados vem tornando obrigatória uma revisão dos modelos clássicos de racionalidade dos tomadores de decisão.
A psicologia behaviorista encontrou séria oposição na psicologia cognitiva.
Segundo os psicólogos adeptos dessa nova escola, muitas das decisões dos humanos são automáticas, ou seja, não resultam de uma vontade deliberada.
Esses profissionais também consideram que aspectos emocionais podem afetar muitas de nossas escolhas.
Assim, com os avanços da psicologia, particularmente a cognitiva, na compreensão da forma como tomamos decisões, surgiram as finanças comportamentais.
Podemos considerar que o nascimento desse campo de estudos foi marcado pela publicação do artigo “Prospect Theory: An Analysis of Decision under Risk”, dos psicólogos cognitivos Daniel Kahneman e Amos Tversky Source, na prestigiosa revista Econometrica, em março de 1979.
Em trabalhos anteriores, esses pesquisadores já tinham demonstrado que os humanos utilizavam regras heurísticas para tomar decisões.
Essas regras são atalhos mentais ou regras empíricas para encontrar uma solução para dado problema.
A utilização de tais atalhos mentais pode gerar vieses nas escolhas.
Um viés de decisão (biases) é uma tendência sistemática de violar os axiomas da racionalidade ampla.
Um fato importante é que o viés pode afetar de forma semelhante um grande número de pessoas e, dessa forma, afetar todo o mercado.
No artigo da Econometrica, os cientistas demonstraram que os humanos utilizam duas fases no processo de escolha: a primeira para editar os prospectos arriscados, a segunda para avaliá-los.
A fase de editar consiste em uma análise preliminar das probabilidades oferecidas, quando, frequentemente, elas são simplificadas.
Na segunda fase, as probabilidades editadas são avaliadas e a de valor mais alto é escolhida.
A separação das decisões em duas fases e, particularmente, a utilização da fase preliminar de editar, que tenta simplificar o processo, muitas vezes gera vieses de decisão ou erros sistemáticos.
A tendência dos investidores de cometer erros sistemáticos de avaliação é chamada de ilusão cognitiva.
Da mesma forma que os humanos têm dificuldade para julgar subjetivamente quantidades físicas, também têm dificuldade para julgar subjetivamente probabilidades.
Os estudiosos das finanças comportamentais não negam que a maioria das decisões econômicas é tomada de forma racional e deliberada.
Mas consideram que, se não forem levadas em conta também as decisões emocionais e automáticas, os modelos econômicos serão falhos para explicar o funcionamento dos mercados.
Minha formação foi feita na economia neoclássica e nas finanças modernas.
Só tomei conhecimento das pesquisas de Kahneman e Tversky em meados dos anos 1990.
Inicialmente, foi um choque enorme, pois aqueles trabalhos abalavam tudo que eu havia aprendido e ensinado durante quase duas décadas.
No entanto, depois de conhecer as finanças comportamentais, não pude mais aceitar o pressuposto da racionalidade dos investidores como uma forma de descrever os mercados.
Então, em março de 2000, ingressei em um programa de doutorado para estudar finanças comportamentais, um campo de estudo que não tinha o prestígio que tem hoje.
Em 2002, Daniel Kahneman ganhou o Nobel de Economia e, em 2003, publiquei a primeira tese dessa área no Brasil.
Nessa época, eu acreditava que as finanças comportamentais poderiam constituir um bom modelo para predizer como os mercados funcionam.
Hoje, 17 anos depois, acho que o modelo de mercado eficiente ainda é a melhor forma de descrição.
Porém, acredito que as finanças comportamentais têm enorme futuro na área prescritiva, ou seja, no auxílio para que investidores individuais possam compreender suas tendências e suas falhas no processo decisório.
Visando entender melhor o processo de tomada de decisão, comecei a estudar psicologia cognitiva após concluir meu doutorado, o que acabou me levando, em 2009, para um programa de pós-doutorado na Universidade Livre de Bruxelas.
Hoje, tenho a firme convicção de que as finanças comportamentais podem ajudar quem queira tomar melhores decisões de investimentos.
Sendo assim, é sob esse enfoque que tratarei, em futuros artigos, de vieses do processo de decisão, enfatizando de que modo você pode fazer escolhas mais adequadas ao seu perfil e seus objetivos.
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