O efeito de disposição é um viés cognitivo que leva os investidores a assumirem menos risco nas escolhas que envolvem ganhos, e mais riscos no campo das perdas. É ele que explica a tendência que temos em realizar ganhos rapidamente, mas não fazer o mesmo com prejuízos.
Muito comum no mercado financeiro, o efeito de disposição é um dos mais difíceis de se livrar.
Neste artigo, vamos entender em detalhes e com a ajuda de exemplos como o efeito de disposição afeta os investidores — e o que fazer para tentar contorná-lo.
O que é mais fácil: suportar a perda ou a valorização?
Você sabia que, se tivesse aplicado apenas R$ 1800 em ações da Magazine Luiza em dezembro de 2015, hoje você seria um milionário?
Se você dedicou alguns minutos da sua vida lendo sobre o mercado de ações, já deve ter visto alguma comparação como essa.
Mesmo quem nunca se interessou pelo tema já deve ter visto algo assim.
Então fica a pergunta: será que isso é verdade? Sim, é verdade.
A Magazine Luiza fez seu IPO no dia 29 de abril de 2011 com as ações precificadas a R$ 16. Lentamente o preço começou a cair, e as ações chegaram a ser negociadas por R$ 1,76 em 29 de setembro de 2015.
No dia 1º de outubro, foi feito um agrupamento e oito ações viraram apenas uma, cotada a R$ 13,48. Novamente o preço continuou caindo e atingiu R$ 9,06 no dia 16 de dezembro daquele ano.
No início de agosto de 2021, a ação custava R$ 20,18.
Só que de 2015 até agora houve três desdobramentos, de tal forma que cada ação comprada na época se transformou em 256.
Assim, se considerarmos o reinvestimento dos R$ 37,73 pagos em dividendos e juros sobre capital próprio por cada ação possuída em 16 de dezembro de 2015, os R$ 1.800 teriam se transformado em R$ 1.074.020,62.
Dito dessa forma parece muito fácil se transformar em um milionário, não é mesmo?
Agora fica outra pergunta: o que foi mais difícil, suportar forte queda de 92% entre o IPO e o dia 16 de dezembro de 2015, ou o aumento superior a 4.600% ocorrido posteriormente?
Segundo as finanças comportamentais, é mais fácil suportar a perda sem realizar o prejuízo do que suportar a valorização sem realizar o lucro.
Por esse motivo é muito pouco provável que se encontre um investidor que tenha comprado as ações naquele 16 de dezembro de 2015 e que ainda as tenha em carteira.
Sim, estamos aqui falando de mais um dos vieses cognitivos.
Esse fenômeno se chama efeito de disposição e foi descrito no artigo “The Disposition to Sell Winners Too Early and Ride Losers Too Long: Theory and Evidence”, publicado em 1985 no prestigioso Journal of Finance.
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Indice
O efeito de disposição pode ser explicado pela teoria das perspectivas. Segundo ela, os investidores são avessos ao risco no campo dos ganhos e propensos ao risco no campo das perdas. A aversão ao risco nas escolhas que envolvem ganhos seguros é acompanhada pela procura por riscos nas escolhas que envolvem perdas seguras.
Vamos entender melhor?
A tendência de aversão ao risco no campo dos ganhos, combinada com procura pelo risco no campo das perdas, é chamada de efeito reflexo.
Muitas pessoas pensam que a parte mais difícil do investimento em ações é suportar uma queda de preços, porém isso é um engano.
O mais difícil é manter um investimento depois de uma alta elevada.
É muito mais fácil suportar grandes perdas do que suportar altas vertiginosas sem liquidar nossos investimentos.
Quando o preço de um ativo começa a subir, os investidores tendem a querer garantir logo o ganho, pois são avessos ao risco nesse campo.
Agora, quando um ativo tem uma enorme queda, parte significativa dos investidores toma a decisão de não realizar a perda, com base na crença de que mais cedo ou mais tarde o preço retornará ao patamar inicial.
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Minha tese de doutorado defendida em 2003, intitulada “Teoria do prospecto: uma investigação utilizando simulação de investimentos”, tinha como principal questão o efeito de disposição.
A pesquisa, como o nome sugere, foi feita com uma simulação em que alunos universitários precisavam gerenciar uma carteira hipotética em um mercado com 28 ações.
Pude verificar uma forte tendência de se vender de forma rápida as ações que subiam de preço e de manter e aumentar significativamente os investimentos em uma ação que era uma evidente perdedora.
Do início da simulação até a 16ª rodada, quando a empresa hipotética foi à falência, a quantidade de ações possuídas pelos participantes aumentou 3.200%.
Eles recebiam várias notícias positivas sobre as ações vencedoras e notícias negativas sobre as perdedoras, porém persistiam na tendência de realizar lucros muito rápidos com a vencedora, além de manter e aumentar de maneira significativa as compras das perdedoras, o que comprovou no experimento o efeito de disposição.
Efeito de disposição ou falácia de Galton?
Os críticos das finanças comportamentais afirmam que esse efeito pode ser explicado pela crença do retorno à média descrita por Francis Galton – também chamada de falácia de Galton.
De qualquer forma, seja pela falácia de Galton, seja pelo efeito reflexo descrito por Kahneman e Tversky, temos um fato: é preciso muito treinamento para que os investidores deixem de realizar ganhos muito cedo e perdas muito tarde.
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A atividade de especulação é uma tarefa muito difícil porque é contraintuitiva.
Para se sair bem em uma atividade especulativa é preciso ir contra o senso comum de que se deve comprar ativos na baixa e vender na alta.
Um especulador experiente faz exatamente o contrário, compra na alta e vende rapidamente na baixa.
Vamos voltar ao caso da Magazine Luiza. Naquele dia 16 de dezembro de 2015 em que as ações tocaram em seu mínimo histórico, foram feitos 609 negócios, que movimentaram apenas R$ 532.753,00. Depois de 38 pregões, pouco mais de um mês, as ações já tinham dobrado de preço.
Um investidor inexperiente que dobrou seu capital em pouco mais de um mês tenderia a realizar seu lucro e vender suas ações para um investidor experiente que entendeu que ali estava se configurando uma forte tendência de alta.
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Infelizmente, entender o efeito de disposição é muito mais simples do que se livrar dele.
A ideia de que o preço “não pode cair mais” tem um forte apelo para os pequenos investidores.
As empresas X do empresário Eike Batista foram apenas um dos exemplos: antes de sua derrocada, poucos grandes investidores mantinham as ações em carteira, porém uma legião de pequenos investidores acumulava essas ações.
Outro erro comum aos pequenos investidores é a ideia de que uma empresa é muito grande para quebrar e que alguém vai salvá-la.
Algumas vezes isso até acontece, porém nas operações de socorro os acionistas costumam ser diluídos, o que consolida os prejuízos.
Por isso, uma das máximas do mercado é que não se deve segurar uma faca que está caindo nem se deve cortar uma árvore que ainda está crescendo.
Quando o preço de uma ação está baixando muito, aparentemente sem motivos, pense que decerto eles existem e que você apenas não está enxergando.
O mesmo princípio vale para uma alta. Se o preço está subindo, muitos investidores estão percebendo qualidades naquele ativo.
Existe uma grande diferença entre investir de forma especulativa e investir com objetivos de longo prazo.
Investir em uma carteira diversificada ou em ETFs, comprando lentamente para também vender lentamente, é uma das estratégias mais consistentes e seguras para quem tem objetivos como a aposentadoria.
Espero que este texto lhe ajude a fugir da armadilha do efeito de disposição que nosso cérebro teima em nos pregar.
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