O efeito dotação é um viés cognitivo que leva as pessoas — incluindo os investidores — a atribuir um valor maior para bens sob sua posse, na comparação com itens de terceiros.
Já aconteceu com você?
No meu primeiro artigo sobre vieses cognitivos e heurísticas de decisão, vimos que não é possível ser totalmente racional na hora de tomar decisões financeiras.
Prometi novos artigos para aprofundar o assunto e ajudar o investidor a entender esses vieses e se proteger deles.
Hoje abordaremos os detalhes por trás do efeito dotação.
Indice
O psicólogo Daniel Kahneman descreveu esse desvio de racionalidade em um experimento aparentemente simples.
Em uma sala de aula do curso de economia de uma universidade americana, os alunos receberam canecas com o símbolo da instituição.
Foi programado que faltassem brindes para a metade da turma. Para compensar, foram entregues notas de cinco dólares para cada estudante que não recebeu a caneca.
Depois de algum tempo, Kahneman distribuiu um questionário em que perguntava aos donos das canecas o valor pelo qual estariam dispostos a vender o objeto.
Para quem não tinha recebido uma, a pergunta era quanto estaria disposto a pagar por elas.
Os vendedores exigiam um preço médio de US$ 7,12 e os compradores estavam dispostos a pagar, em média, US$ 3,12.
Canecas semelhantes poderiam ser compradas na livraria da universidade por US$ 5,00.
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Minha tese de doutorado foi feita a partir de um jogo que simulava o mercado financeiro. Para incentivar a participação dos alunos, eu dava alguns brindes.
O efeito dotação não foi objeto do meu estudo, porém por curiosidade acadêmica aproveitei e montei dois lotes de brindes, cada um com objetos diferentes.
Na primeira turma, deixei a escolha livre e observei uma proporção semelhante entre os alunos que escolheram A ou B.
Nas demais turmas, pedi para uma pessoa distribuir os kits sem perguntar a preferência de ninguém.
Quando eu entrava na sala, me mostrava surpreso por um lado da turma ter preferido o kit A, e o outro, o B.
Então os alunos diziam que não era coincidência, já que os kits tinham sido distribuídos assim.
Então eu pedia desculpas pela falha e oferecia a oportunidade de qualquer um trocar seu pacote.
Ora, se os alunos da primeira turma claramente demonstraram que tinham preferências por A ou B, era esperado que em torno de 50% dos alunos de outras turmas ficassem descontentes com a atribuição.
Entretanto, apenas 3,2% dos alunos quiseram trocar o brinde.
Resultado: tendemos a valorizar muito mais o que é nosso em comparação ao que pertence aos outros.
Também tendemos a permanecer no status quo, a recusar uma mudança.
No momento de decidir, a tendência é preferir a situação corrente a uma proposta de alteração.
O fenômeno foi descrito quando a Universidade de Harvard introduziu um novo plano de saúde para seus professores.
A maioria preferiu permanecer no plano antigo, embora o novo fosse mais vantajoso e atraísse os docentes recém-contratados pela instituição.
A tendência ao status quo faz com que pessoas se neguem a alterar, por exemplo, a carteira em que seu plano de aposentadoria está aplicado.
Aderir a uma carteira mais agressiva é recomendável para uma grande parcela de pessoas. Mas muitas preferem permanecer em um plano mais conservador e se negam a mudar.
Também é comum não querer vender uma herança, mesmo que a pessoa nunca vá utilizar o bem herdado.
Há algum tempo, atendi uma senhora viúva de 65 anos que queria gerenciar uma carteira de ações herdada do sogro.
Ela não tinha o perfil para um investimento com aquele risco, então recomendei que retirasse o dinheiro do mercado de ações e investisse em fundos DI ou que trocasse para um fundo de ações. Ela recusou.
Ocorre que seu falecido sogro tinha o costume de frequentar uma corretora diariamente e negociar ações, o que fez por mais de 30 anos.
Assim, a nora recebeu uma carteira composta de poucas ações de perfil altamente especulativo.
Diante da recusa de migrar para fundos, sugeri que ela trocasse para ações de empresas maiores e mais estáveis.
Ela também recusou, dizendo que seu sogro conhecia bem o mercado e deveria saber o que estava fazendo.
Mostrei que ele mudava bastante a carteira e era possível que já não tivesse mais aquelas ações se ainda estivesse vivo.
Finalmente, ela disse que não mudaria, pois viria a sofrer se a nova carteira rendesse menos do que a escolhida pelo sogro.
Perguntei o que ela sentiria se a carteira recebida rendesse menos do que uma nova que viéssemos a escolher. Ela respondeu que, então, não seria culpa dela.
Também é muito comum pessoas que recebem imóveis como herança terem enorme dificuldade de vendê-los.
Quando elas permanecem com o bem recebido, é como se não tivessem tomado nenhuma decisão; porém, se venderem aquele imóvel e ele valorizar mais que os outros investimentos, temem ficar com a frustração pela decisão da venda.
Como observam os psicólogos cognitivos, grande parte das pessoas detesta decidir. Temos medo de nos arrepender de uma decisão ruim.
Sempre que possível, delegamos nossas decisões a outras pessoas para termos a quem culpar em caso de erro.
Mesmo que não culpemos os outros, nos contentamos em ter a sensação de que o erro não foi nosso.
Para fugir das consequências do efeito dotação, devemos lembrar que não decidir também é uma decisão.
Lembre-se sempre de que o grande responsável por seus investimentos é você mesmo.
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