O desconto hiperbólico é um viés cognitivo que nos leva a valorizar benefícios imediatos e reduzir o valor de benefícios futuros. Esse tipo de comportamento é explicado pelas duas áreas de funcionamento distintas do nosso cérebro, e afeta investidores de todos os níveis.
Vamos entender melhor como funciona o desconto hiperbólico, como ele se aplica no dia a dia e como se proteger dele?
Indice
Tanto a economia clássica como a comportamental concordam que a propensão a poupar varia de pessoa para pessoa.
Mas essas duas escolas divergem significativamente na percepção sobre como cada indivíduo desconta o futuro, ou seja, o quanto mais precisa receber no futuro para aceitar postergar o consumo presente.
De acordo com a teoria tradicional, descontamos o futuro usando uma função exponencial.
Dessa forma, se você fizer um investimento hoje de R$ 1.000 a uma taxa de juros de 10% ao ano, terá R$ 1.100 no fim do primeiro período.
Continuando com o mesmo investimento e com a mesma taxa, em dez anos você terá acumulado R$ 2.593,74.
O interessante é que, no primeiro ano, seu dinheiro só renderá R$ 100. No último, renderá R$ 235,79.
Porém, dividindo o valor do dinheiro no fim de cada ano pelo valor do início, encontramos um resultado fixo de 1,1, exatamente 10% de diferença entre os montantes.
Quando queremos saber o valor atual de uma renda no futuro, também podemos utilizar o mesmo princípio.
Por exemplo, se você prefere R$ 1.000 hoje a R$ 1.100 daqui a um ano, também deve preferir R$ 2.357,95 em nove anos a R$ 2.593,74 em dez anos. Essa curva exponencial é um forte pilar que embasa as finanças tradicionais.
No entanto, existem fortes evidências de que essa base não é tão sólida assim.
Nosso cérebro, ao tomar decisões intertemporais, não respeita o desconto exponencial.
Segundo a economia comportamental, nós descontamos o futuro a uma taxa hiperbólica, ou seja, damos um grande valor para o agora.
Então a tendência é que muito mais pessoas prefiram receber R$ 1.000 na primeira situação, mas topem esperar dez anos para receber R$ 2.593,74 em vez de R$ 2.357,95 em nove anos.
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Para demonstrar melhor o desconto hiperbólico, vou propor uma situação hipotética em que você pode escolher uma opção de viagem:
Desconsiderando a questão da pandemia, quase todas as pessoas preferem ir antes a esperar mais quatro anos.
Para que alguém renuncie à viagem mais próxima e espere mais tempo, é preciso oferecer vantagens. Então vou reformular a proposta:
Vários fatores interferem nessa escolha, dependendo de quem vai viajar.
Alguém que já tenha feito muitas viagens a Nova York pode achar mais apropriado esperar do que ir agora.
Já alguém que acalente há muito tempo o sonho de fazer uma viagem como essa tende a querer ir o quanto antes.
Isso é o que os economistas chamam de propensão marginal a poupar.
Por isso, vou mais uma vez reformular a proposta:
Se você descontar o futuro por uma função exponencial, caso tenha escolhido a opção C, necessariamente deveria escolher a opção E.
Porém, geralmente não é isso que acontece.
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Há quase 20 anos, faço essas perguntas para as minhas turmas de finanças pessoais. A metade da classe recebe a proposta de viagem agora ou daqui a quatro anos.
Aproximadamente 80% dos alunos preferem a viagem mais próxima.
Já para a metade que recebe a proposta de viajar daqui a quatro ou oito anos, a preferência modal se altera.
Nessa situação, em torno de 75% preferem esperar os oito anos. Isso é incompatível com a teoria clássica e só pode ser explicado pela economia comportamental.
Se respeitássemos o desconto exponencial, todas as pessoas que optam por C também deveriam optar por E. Mas não é isso que acontece.
Na segunda situação, essas pessoas podem pensar “já que tenho mesmo que esperar, vou aguardar oito anos para ter uma viagem melhor”.
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Em psicologia existe uma teoria de que nosso cérebro funciona de maneira dual: há um processo inconsciente implícito (automático) e um consciente explícito (controlado).
O primeiro ocorre nas áreas mais primitivas do cérebro, e o segundo, no nosso córtex pré-frontal.
Daniel Kahneman chama esses dois sistemas de rápido e devagar. Eu gosto de chamar essas duas partes do cérebro de jacaré e Dr. Spock.
Spock é o personagem de ascendência vulcana/humana da série Jornada nas Estrelas que sempre tem uma perspectiva lógica e desprendida de emoções em suas decisões: ele se preocupa muito com as consequências futuras.
Já nosso jacaré interior quer sempre a gratificação instantânea, ele não se preocupa com o futuro.
O jacaré é muito mais rápido em suas decisões do que o Dr. Spock, pois só precisa se preocupar com o agora.
No caso da viagem agora ou daqui a quatro anos, o jacaré foi parte muito importante da decisão.
Quando a decisão era daqui a quatro ou oito anos, foi o Dr. Spock quem fez a escolha.
As decisões sobre investimentos e consumo não são tomadas apenas pelo nosso cérebro racional, como supõe a economia tradicional.
Segundo a economia e as finanças comportamentais, elas são afetadas também pelo sistema límbico, a parte mais primitiva e emocional do cérebro.
Mas como podemos utilizar essas informações a nosso favor? O primeiro ponto é deixar o Dr. Spock cuidar do nosso futuro.
Quando você vai às compras, o jacaré tende a querer tudo que vê. Para saber se ele tem ou não razão, tente dar tempo para o Dr. Spock pensar.
Se você entrar em uma loja e quiser comprar alguma coisa, saia sem fazê-lo. Se no outro dia você ainda achar que vale a pena, volte e compre.
Quando o assunto forem os investimentos para sua aposentadoria ou para objetivos de longo prazo, não dê nenhum espaço ao jacaré.
A melhor coisa a fazer é programar em seu banco uma transferência para a Warren assim que seu salário cair na conta.
E na Warren você pode já deixar programadas aplicações para seus diferentes objetivos.
Automatizando o processo, o jacaré não terá tempo de dizer que naquele momento o importante é curtir, jurando que no próximo mês ele deposita em dobro.
Finalmente, lembre-se: seu jacaré quer ver você feliz agora, e o Dr. Spock quer que você não tenha problemas no futuro. Se os dois trabalharem em harmonia, sua vida será muito melhor.
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