No início deste século, surgiu no Reino Unido um movimento chamado FIRE – Financial Independence, Retire Early, que pode ser traduzido como “aposentadoria e independência financeira cedo”.
Os adeptos do FIRE procuram viver da forma mais austera possível, economizando o máximo que conseguem, frequentemente mais do que 50% dos rendimentos, com o objetivo de se aposentar o quanto antes.
Parece que agora esse movimento está chegando com força na geração Z – pessoas que nasceram entre a segunda metade dos anos 1990 até o início do ano 2010.
São dessa geração os alunos que estou recebendo na minha disciplina de Finanças Pessoais na Universidade Federal de Santa Catarina.
Indice
Talvez o FIRE nada mais seja do que um nome moderno para o sonho antigo que povoava a cabeça dos baby boomers: fazer um milhão de dólares antes dos 40 anos e parar de trabalhar.
O fato é que vários dos meus alunos parecem dispostos a trabalhar muito na juventude para conseguir uma rica aposentadoria precoce.
Sou crítico dessa abordagem.
Repito sempre para meus alunos que eles correm riscos reais de não chegar aos 40 para aproveitar o que acumularam.
Jovens que decidem deixar de aproveitar a vida para acumular muito e usufruir depois, comumente, se tornam viciados em trabalho.
Quando chegam à idade em que planejavam parar, podem descobrir que fizeram do trabalho o único sentido de suas vidas.
A vida é a maior riqueza que temos. E essa enorme riqueza se esvai minuto a minuto sem que possamos estancar a perda.
É como se possuíssemos uma enorme caixa d’água com uma torneira que não pode ser fechada. Tudo o que resta é tentar aproveitar cada gota derramada, pois não sabemos quanta água há no reservatório.
O tempo que a reserva vai durar é sempre uma incógnita.
A expressão time is money, ou “tempo é dinheiro”, foi criada em 1748 por Benjamin Franklin, um dos pais fundadores da pátria norte-americana.
Desde então, a sociedade passou a encarar a perda de tempo como perda de dinheiro.
Se tempo é dinheiro, não podemos nos esquecer de que ele também é vida. Dessa forma, ao relacionar tempo e dinheiro, estamos conferindo à própria vida um significado material.
Só que a vida não pode ser guardada ou poupada, e dinheiro pode.
Com a afirmação de Benjamin Franklin, o tempo passou a ter um valor que se pode representar, contar e, por suposição, poupar.
Muito antes de Franklin, o sofista e matemático grego Antiphon (430 a.C.) afirmou que “o capital mais custoso é o tempo”.
Mesmo colocando o tempo como prioridade, ele já o reconhecia como uma forma de capital.
A cultura popular diz que, quando somos jovens, temos tempo e saúde para aproveitar a vida, mas nos falta dinheiro; na meia-idade, temos saúde e dinheiro, mas não temos tempo; e na velhice, temos tempo e dinheiro, mas não temos saúde.
Quando a sociedade passou a acreditar que tempo é dinheiro, concluiu que é possível guardar a vida para aproveitar mais tarde, como prega o FIRE.
Assim, o dinheiro passou a ser encarado como o doce de compota da vida – guardam-se os frutos produzidos no verão para que sejam consumidos no inverno.
Muitos dos meus jovens alunos esperam acumular bastante dinheiro para que possam, o quanto antes, aproveitar a vida sem trabalhar.
Com isso, parece que não ter tempo se tornou um paradigma de sucesso.
Amigos e colegas que se encontram logo perguntam: “E aí, muita correria?”.
É a senha para que o outro descreva, com um misto de orgulho e resignação, todas as atividades em que está envolvido.
Vivemos um momento em que não ter tempo nos confere um enorme status.
Os influenciadores digitais estão aí para propagar suas agendas superlotadas e as vantagens de dormir pouco.
Há alguns anos, conversei com um médico que fez grande sucesso nas décadas de 1960 e 1970.
Ele acumulou um significativo patrimônio que lhe garante uma aposentadoria tranquila.
Perguntei como era sua rotina profissional naquela época. Ele me disse que acordava cedo para caminhar, chegava em casa, tomava banho, lia o jornal e tomava café da manhã com a esposa.
Às nove horas, ia caminhando para visitar os pacientes no hospital e só depois se dirigia ao consultório. Ao meio-dia, voltava para casa para almoçar e tirar um breve cochilo.
Retornava depois ao consultório e, no final da tarde, visitava de novo o hospital. Só em grandes emergências trabalhava à noite.
Esse médico tem filhos, genros e netos também médicos de sucesso, que levam uma rotina completamente diferente da descrita.
Eles têm várias atividades e empregos diferentes, participam de entidades de classe e estudam muito para estar sempre atualizados.
Também gastam muito tempo cultivando a rede de relacionamentos fundamentais ao seu sucesso.
Hoje uma pessoa de sucesso é alguém que faz inúmeras coisas e tem muito pouco tempo livre.
Ao contrário dos jovens do movimento FIRE, que acreditam valer a pena trabalhar muito para acumular dinheiro, outros decidem que devem aproveitar tudo hoje sem pensar no futuro.
A frase “viva cada dia como se fosse o último, um dia você acerta” é o epíteto daqueles que acreditam que o tempo não pode ser guardado.
Afinal, o que se deve fazer: trabalhar muito e gastar pouco para ter reservas para o futuro ou gastar tudo que for possível hoje, sem se preocupar com o amanhã?
Acredito que nenhuma das opções é boa.
Essas atitudes podem levar aos dois principais erros que alguém pode cometer na gestão das finanças pessoais.
O primeiro é guardar muito dinheiro e morrer cedo, o segundo é guardar pouco e demorar a morrer.
Costumo aconselhar meus jovens alunos a manterem uma reserva para o futuro.
Aconselho que, se possível, construam uma reserva de emergência e depois comecem a construir uma reserva de aposentadoria em aplicações de maior risco, como as ações.
Para quem começa a poupar aos 25 anos, depósitos constantes de 10% da renda ao longo da vida já são o suficiente.
Essas reservas vão permitir que os jovens tenham tranquilidade e paz de espírito para realmente aproveitar a vida. É o bastante para livrar-se das angústias de ficar em situação difícil em uma emergência e do fantasma de uma velhice cheia de privações.
Essa reserva não precisa ser feita por meio do corte de gastos supérfluos. Isso é o que traz prazer à vida – e o prazer é um dos principais componentes da felicidade.
É possível economizar cortando apenas o desperdício. A questão é: o que é supérfluo para uma pessoa pode ser desperdício para outra.
Então, devemos entender que supérfluo é aquilo que nos traz um prazer equivalente ao tempo (vida) que despendemos para ganhar o dinheiro que gastamos.
Desperdício é quando o retorno em satisfação pessoal é menor do que o tempo empregado para ganhar aquele dinheiro.
Acredito que devemos consumir aquilo que melhora a nossa vida.
A melhor forma de economizar é evitar os gastos feitos para impressionar as outras pessoas, ou seja, os gastos que fazemos com bens posicionais, aqueles que servem para demonstrar nosso sucesso aos outros.
Dinheiro pode ser recuperado, mas um momento perdido pode nunca mais se repetir. Mais que o dinheiro, proteja o tempo, porque tempo é vida.
Minha aposta é que os adeptos do FIRE vão acabar descobrindo que trabalhar é muito bom. Poucos de fato vão querer parar aos 40 ou 50 anos.
Acredito que muitos vão aprender que uma vida simples está longe de ser uma vida pobre.
Então, talvez por motivos tortos, o FIRE leve os jovens para um caminho correto.
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