O Ministério da Fazenda divulgou ontem (30/03) o novo arcabouço fiscal.
Neste texto, Felipe Salto (economista-chefe de Política Fiscal) e Josué Pellegrini (analista de Macroeconomia), ambos da da Warren Rena, comentam sobre os principais aspectos divulgados.
De acordo com a regra proposta, a despesa primária crescerá no máximo a 70% da variação da receita líquida acumulada em doze meses até julho. Esse percentual cairá a 50%, caso a meta para o resultado primário tenha sido descumprida no ano anterior.
Ao mesmo tempo, a despesa não poderá crescer menos do que 0,6% e não poderá aumentar mais do que 2,5%, sempre em termos reais. A meta de resultado ano a ano é informada com bandas.
Em 2023, vai de -0,75% do PIB a -0,25% do PIB. No período 2024 a 2026, o déficit é reduzido gradualmente até alcançar o intervalo de 0,75% do PIB a 1,25% do PIB, em 2026.
Constatamos que precisaria haver significativo aumento de receita em 2024 para cumprir o limite inferior da banda, de -0,25% do PIB, com a despesa crescendo a 0,6%, em termos reais — mínimo permitido pela regra.
O Ministro Fernando Haddad falou em aumento de R$ 100 bilhões de receitas, em 2024, com medidas a serem anunciadas, a exemplo da redução de gastos tributários. Esse montante seria suficiente para zerar o déficit, possibilitando o cumprimento da meta.
A Tabela 1 (abaixo) mostra a evolução da receita, despesa e resultado da União, com base na aplicação da nova regra proposta. Partimos dos números apresentados no Relatório Bimestral, analisado por nós em material divulgado no dia 23 de março.
Em 2025, com o aumento da despesa limitado aos 2,5% em termos reais, seria possível cumprir o limite inferior de superávit de 0,25% do PIB, com um aumento extra da receita de R$ 45 bilhões, já acrescidas dos R$ 100 bilhões, gerados no exercício anterior.
Por fim, em 2026, a aplicação da regra sujeitaria o crescimento da despesa aos 70% da variação da receita, o que demandaria receita extra de outros R$ 45 bilhões para o cumprimento da meta de 0,75% de superávit, no limite inferior da banda.
Não há dúvida que o cronograma de meta primária é ambicioso e seu efetivo cumprimento levaria a uma trajetória favorável das contas da União, com impactos positivos para a estabilidade macroeconômica, condição necessária para um crescimento econômico mais robusto.
A dívida pública, aferida pela Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG), se estabilizaria um pouco acima de 77% do PIB já no biênio 2025-2026, só requerendo a preservação do esforço fiscal nos anos seguintes.
Contudo, esse cenário requer aumento significativo de receita, especialmente em 2024, e despesa primária sob controle. O gasto cresceria em termos reais, algo que na vigência da atual regra não é possível.
Essa flexibilidade é bem-vinda e pode ser vista como um aprimoramento em relação à Emenda Constitucional nº 95/2016.
Cabe, entretanto, analisar os cenários mais prováveis, uma vez que julgamos otimista a elevação da arrecadação nos termos acima considerados.
Em um cenário alternativo em que o déficit primário ficasse em 0,9% do PIB, em 2024, sem receitas extras, o ajuste do resultado primário seria bem mais lento, embora melhor do que o previsto no nosso atual cenário base.
A saber, o primário voltaria a ser superavitário em 2027, algo que não chegaria a ocorrer até 2032, no cenário base.
Vale comparar a trajetória da dívida pública (Dívida Bruta do Governo Geral) nos três cenários:
No cenário 1, haveria os acréscimos de receita requeridos para cumprimento da meta de primário estabelecida.
No cenário 2, não haveria acréscimos de receita, apenas a aplicação das restrições impostas às despesas nas regra anunciadas.
Por fim, nosso cenário base.
O Gráfico 1 (abaixo) mostra as três trajetórias para o período 2022-2032.
Conforme se pode ver, no cenário 1, ocorre estabilidade da dívida rapidamente, pois a partir de 2025 o passivo mantém-se muito próximo de 77% do PIB.
No cenário 2, por seu turno, a dívida sobe em todo período coberto, mas com indicações de estabilidade um pouco acima de 85% do PIB.
No nosso cenário base, por fim, a dívida permanece subindo em ritmo considerável, ultrapassando 95% do PIB , em 2032.
Indice
É preciso ainda tecer alguns comentários sobre algumas brechas no arcabouço, que vemos como positivo, mas precisará ser melhor detalhado.
Uma delas diz respeito às despesas com saúde e educação.
A revogação do teto (EC 95/16), consequência da aprovação da lei complementar prevista na EC 126/2022, restauraria a aplicação do limite mínimo correspondente a 15% da receita corrente líquida, no caso da saúde, e 18% da receita com impostos, líquidas de transferências, no caso da educação.
Tais regras tornarão mais desafiadora a exigência do controle dos aumentos reais da despesa ora propostas, pois exigirão sacrifício maior da parcela do gasto não protegida por regras específicas.
A isso se soma o elevado percentual da despesa de execução obrigatória.
No período de 2017 a 2019, antes da pandemia, a despesa primária cresceu cerca de 4,6% ao ano, em termos nominais, mas foi um período, pode-se dizer, atípico, de crescimento mais baixo em relação ao histórico.
Sob a nova regra proposta, o crescimento poderia variar de 0,6% a 2,5%, em termos reais, isto é, com uma inflação média de 4%, por hipótese, trata-se de variação nominal de 4,6% a 6,5%. É uma taxa bastante contida.
Enfim, a nova regra fiscal é a primeira etapa de um conjunto maior de providências que precisarão ser tomadas para viabilizar sua aplicação.
Essas medidas terão que elevar a receita de modo significativo e possibilitar o controle da despesa obrigatória, sem sacrificar determinado conjunto de gastos, como investimentos.
Ademais, possivelmente, envolverão medidas de nível legal e também constitucional.
Conteúdos recomendados: