Já passava das sete da noite quando os diferentes rostos começaram a aparecer na tela. Alguns homens, muitas mulheres; jovens e aposentados, estudantes e desempregados, uma mãe com seu filho.
Pessoas com diferentes trajetórias, crenças diversas, todas reunidas para falar sobre um assunto de interesse comum: como cuidar melhor do seu dinheiro.
O encontro, que aconteceu na última quarta-feira e durou mais de duas horas, era uma aula do projeto Construindo o Futuro, oferecido pela ONG Coletivo Autônomo Morro da Cruz, de Porto Alegre.
O programa busca promover ações que propiciem a capacitação e a reinserção de pessoas em situação de vulnerabilidade social no mercado de trabalho.
A convite da Consultora de Carreiras e Empregabilidade do Coletivo, Julia Garim, a Warren participou dessa aula especial sobre organização e educação financeira — que, muito mais do que uma aula, foi uma troca de experiências, em uma conversa franca sobre dinheiro.
Por ter sido uma ocasião tão especial e enriquecedora, decidimos compartilhar um pouco mais sobre esse encontro por aqui.
Afinal, falar sobre dinheiro ainda é tabu. E a missão da Warren é justamente descomplicar o mundo financeiro, para que cada vez mais pessoas possam desenvolver uma relação mais saudável com as suas finanças e investir melhor para realizarem os seus objetivos.
Indice
Depois das devidas apresentações, Arthur Estima, educador financeiro e Product Manager (gerente de produto) do time de Educação da Warren, perguntou aos participantes quem ali havia tido contato com educação financeira na escola.
Ninguém levantou a mão, o que, infelizmente, não gera grande surpresa.
A educação financeira passou a fazer parte da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) há pouco mais de 2 anos.
Segundo Arthur, o tema é recente e, provavelmente, o que aprendemos sobre dinheiro vem da convivência familiar ou das próprias experiências ao longo da vida.
Por isso, um dos primeiros passos para a introdução desse conhecimento na vida das pessoas é o diálogo.
“Quanto mais falamos sobre o assunto, mais seguros nos sentimos para tomar as nossas próprias decisões financeiras, e mais autonomia temos para seguir o rumo das nossas próprias vidas”, explica o educador.
Não à toa, foi essa a proposta levada para o encontro com a turma do projeto Construindo o Futuro. Falar sobre dinheiro, compartilhar angústias, dicas e experiências, sem receitas prontas ou fórmulas milagrosas.
“É um desafio nos colocarmos em posição de especialistas quando não estamos inseridos em determinado contexto social. Então, um dos caminhos para contribuirmos é incentivar e facilitar o diálogo sobre o dinheiro entre o grupo de pessoas, assim como dentro de casa, em família”, complementa Arthur.
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Cartão de crédito, cheque-especial, títulos de capitalização… Não é pequena a lista de produtos que podem ser uma verdadeira cilada para quem desconhece seu funcionamento.
Das taxas de juros exorbitantes aos produtos de investimento ruins, nosso mercado financeiro é pouco acessível e está recheado de conflito de interesse.
Não é de se espantar que, anualmente, sejam divulgados números alarmantes sobre diferentes aspectos da relação dos brasileiros com as finanças.
Um exemplo é o dado de que 48% dos brasileiros não controlam o próprio orçamento. Somando-se isso aos altos níveis de inadimplência, baixos índices salariais e a falta de informação, o resultado não poderia ser muito positivo.
E é por isso que a educação financeira pode se tornar uma grande aliada.
Para Julia Garim, que coordena o Construindo o Futuro desde sua criação, em outubro de 2020, é de extrema importância que pessoas em situação de vulnerabilidade social percam o medo de acessar espaços de educação.
“Temos um histórico muito difícil de apagar. São pessoas que foram privadas do seu direito à educação, seja por questão econômica ou de acesso. E a gente vê que elas estão cada vez mais confortáveis nesse lugar de educação, entendem que esse conteúdo também é para elas”, afirma a consultora.
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O mito de que investimentos e organização financeira é só para quem tem muito dinheiro ainda é bastante difundido.
Inclusive, segundo Julia, muitos dos participantes do projeto Construindo o Futuro acreditavam nisso, mas agora entendem que precisam se organizar também.
Por isso, para a antropóloga Lucia Scalco, presidente do Coletivo Morro da Cruz, a aula foi muito relevante.
“O encontro combate essa ideia errônea e rasa que desmerece as pessoas mais pobres, como se elas não tivessem gerência ou planejamento, como se fossem pessoas inconsequentes”.
Moisés, um dos participantes do encontro, relatou como, na prática, um simples gesto ou conversa pode ter um impacto gigantesco na vida financeira de alguém.
Ele contou que foi sua esposa, com quem vive há seis anos, que o ajudou a se organizar. Ao vê-la anotando gastos e com frequência reservando um tempo em sua rotina para cuidar das finanças, Moisés se interessou pelo assunto e resolveu pedir ajuda.
A partir daí, uma coisa foi puxando a outra, e hoje é ele quem dá dicas aos colegas. Durante a aula, alertou sobre os cuidados que é preciso ter com as altas taxas cobradas pelos bancos por serviços simples, como manutenção de conta e transferências.
Para Julia, toda a proposta educativa realizado pelo Coletivo tem muita relação com o desenvolvimento da autonomia:
“Não é só colocar a pessoa num emprego ou prepará-la para o mercado de trabalho, mas fazer com que realmente essa pessoa consiga, por si própria, ter e coletar informações para se organizar financeiramente, ou para decidir, por exemplo, em qual banco ela vai abrir uma conta”, ela explica.
De acordo com Arthur, o papel do educador financeiro não é trazer fórmulas mágicas para salvar vidas financeiras em poucas horas de conversa, mas sim estar presente, compartilhando o conhecimento e ouvindo as histórias, dúvidas, dicas e conquistas.
“A aula que tivemos com o pessoal do Morro da Cruz não tem em nenhuma MBA de Finanças, nem em curso de Educação Financeira. Os professores foram eles, e é com certeza uma daquelas aulas da vida que temos que guardar com carinho no coração”, ele conclui.
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