O trust é uma das estruturas jurídicas mais usadas no mundo para organizar a sucessão de bens, proteger o patrimônio e dar mais eficiência à gestão financeira de famílias. Ele existe há séculos em países de tradição anglo-saxônica e, nos últimos anos, tem chamado a atenção de brasileiros que buscam alternativas além do inventário tradicional.
Neste artigo você vai entender o que é um trust, para que serve, como funciona na prática, quanto custa abrir, quais são os tipos existentes, como é a tributação no Brasil e em que se diferencia de uma empresa offshore.
Indice
Um trust é um acordo legal em que uma pessoa, chamada de instituidor ou settlor, transfere seus bens para que sejam administrados por outra pessoa ou instituição, conhecida como trustee. Essa administração não é feita em benefício do próprio trustee, mas sim de terceiros, chamados de beneficiários.
A ideia é que o settlor abra mão do controle direto sobre os ativos para que o trustee cuide deles de acordo com as regras definidas no contrato do trust. Esse contrato pode determinar quando, como e em que condições os bens devem ser entregues aos beneficiários.
Para entender bem como funciona um trust, é importante conhecer os papéis e documentos que compõem essa estrutura:
É a pessoa que cria o trust. O settlor é quem transfere os bens ou direitos para que sejam administrados pelo trustee. Ele também define as regras que devem ser seguidas, como a forma de distribuição dos rendimentos, prazos e condições.
É a figura central do trust. O trustee pode ser uma pessoa ou uma instituição e tem a responsabilidade de administrar os bens de acordo com as instruções do contrato. Seu papel é agir sempre em benefício dos herdeiros ou beneficiários, tomando decisões de investimento, distribuição e gestão patrimonial.
São as pessoas que vão receber os rendimentos ou o patrimônio ao longo do tempo. O contrato do trust pode determinar que eles recebam renda mensal, apoio para estudos ou até o acesso integral ao patrimônio em uma certa idade.
Nem todo trust tem um protector, mas ele pode ser nomeado para supervisionar a atuação do trustee. Na prática, o protector funciona como uma camada extra de segurança, podendo aprovar ou vetar algumas decisões importantes.
É uma carta escrita pelo settlor que complementa o contrato do trust. Ela não tem força legal, mas serve como guia para o trustee entender a intenção do instituidor. É comum que essa carta oriente sobre a forma de distribuição de renda, apoio a familiares específicos ou até preferências em investimentos.
A combinação desses elementos torna o trust uma ferramenta mais flexível que o inventário ou outros mecanismos sucessórios. Ele permite personalizar a forma como os bens serão administrados e distribuídos, garantindo mais controle sobre o futuro do patrimônio.
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O trust tem várias finalidades, mas a mais conhecida é o planejamento sucessório. Quando alguém morre e deixa bens, o processo normal é o inventário, que pode ser demorado e caro. Com o trust, a transferência pode acontecer de forma muito mais rápida, sem brigas entre herdeiros e sem a necessidade de tornar públicas todas as informações sobre os bens.
Outra função comum é a proteção patrimonial. O trust pode blindar os bens de situações de risco, como dívidas, disputas judiciais ou instabilidades políticas. Ele também pode ser usado para garantir renda vitalícia a alguém, financiar os estudos de filhos ou netos ou apoiar causas filantrópicas.
Em alguns países, o trust pode gerar economia tributária, já que certos tipos de trust têm isenções ou reduções fiscais. No Brasil, esse aspecto exige mais cuidado, porque a Receita Federal passou a estabelecer regras claras de tributação a partir de 2023.
Imagine um empresário que deseja organizar a sucessão do seu patrimônio. Ele decide criar um trust e transfere para lá imóveis, ações de empresas e investimentos financeiros. No contrato, determina que seus filhos terão direito a receber parte da renda gerada pelos ativos a partir dos 25 anos, mas só poderão acessar o valor integral do patrimônio aos 40.
O trustee, que pode ser um banco ou uma instituição especializada, fica responsável por administrar esses bens durante todo o período. Ele deve respeitar as regras definidas pelo settlor e garantir que as condições sejam cumpridas. Se houver uma carta de intenções, ela pode orientar o trustee a, por exemplo, destinar parte dos dividendos para custear a educação dos netos.
Esse arranjo evita litígios entre herdeiros, dá mais previsibilidade para a distribuição de bens e garante que o patrimônio continue gerando valor de acordo com a vontade do instituidor.
O trustee tem responsabilidade fiduciária, ou seja, deve sempre agir no interesse dos beneficiários. Entre seus poderes estão:
O mau uso desses poderes pode gerar responsabilização legal, por isso a escolha de um trustee confiável é fundamental.
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Os trusts podem ser estruturados de diferentes formas, de acordo com os objetivos do instituidor e o perfil dos beneficiários. Entender essas variações ajuda a visualizar em quais situações cada tipo pode ser mais útil.
É o tipo mais flexível. O instituidor pode alterar regras, trocar beneficiários ou até encerrar o trust a qualquer momento, enquanto estiver vivo. Esse modelo dá mais controle, mas também menos proteção contra credores ou disputas.
Depois de criado, não pode ser alterado. Essa característica fortalece a proteção patrimonial e pode trazer vantagens fiscais em alguns países. Por outro lado, o instituidor abre mão do controle, já que não pode mais desfazer o trust.
É criado ainda em vida e começa a valer imediatamente. Serve para organizar a gestão do patrimônio e já direcionar benefícios aos herdeiros sem esperar a abertura de um inventário.
É incluído no testamento e só passa a existir após a morte do instituidor. Esse modelo garante que a sucessão aconteça conforme as vontades registradas no documento.
É direcionado a projetos sociais ou filantrópicos. Pode beneficiar instituições de ensino, hospitais, fundações ou organizações não governamentais. Além de apoiar causas relevantes, em alguns países também gera incentivos fiscais.
Protege beneficiários que não têm histórico de administrar bem o dinheiro. O trustee controla os pagamentos e pode liberar recursos em parcelas ou para fins específicos, como saúde e educação.
Usado quando os bens do trust são participações em empresas. Pode ser útil para organizar a sucessão em companhias familiares ou administrar negócios em conjunto.
Voltado a pessoas com deficiência ou condições especiais. Ele garante recursos de longo prazo sem comprometer o direito a benefícios públicos de assistência ou saúde.
Um trust organiza a sucessão de bens de forma mais ágil e segura. No contrato, o instituidor define como o patrimônio será administrado e entregue aos beneficiários, evitando conflitos e garantindo a continuidade do legado. Foto: Freepik
Assim como existe um início, também pode haver um fim para um trust. Isso acontece em algumas situações específicas:
A extinção marca a conclusão do ciclo do trust. Por isso, pensar desde a criação em como e quando ele deve terminar é parte essencial do planejamento.
No Brasil, a Receita Federal estabeleceu novas regras a partir da Lei 14.754 de 2023 e da Instrução Normativa 2.180 de 2024.
Essas regras mostram que trusts não podem mais ser usados como forma de diferir indefinidamente a tributação. É preciso planejamento cuidadoso para que os objetivos sejam alcançados dentro da lei.
Trusts e offshores costumam ser mencionados juntos, mas são estruturas diferentes.
Aspecto | Trust | Offshore |
Natureza | Contrato jurídico para administração de bens | Empresa registrada em país estrangeiro |
Finalidade | Planejamento sucessório e proteção patrimonial | Diversificação, redução de impostos e holding de ativos |
Estrutura | Settlor, trustee, beneficiários e carta de intenções | Sócios e administradores |
Gestão | Feita por trustee em benefício dos herdeiros | Feita pelos sócios ou gestores da empresa |
Tributação no Brasil | Rendimentos atribuídos ao beneficiário | Lucros tributados anualmente conforme balanço |
Transparência | Mantém maior confidencialidade | Sujeita a declarações à Receita e ao Banco Central |
As duas estruturas podem ser usadas de forma complementar. O offshore pode servir como veículo para concentrar participações societárias e investimentos. Já o trust pode ser o instrumento que garante a sucessão desses bens de forma ordenada.
O custo de abrir um trust depende da jurisdição escolhida, da complexidade dos bens e da forma de administração.
Por causa desses valores, o trust costuma ser indicado para famílias com patrimônios mais elevados, em que o custo se justifica pelos benefícios sucessórios e de governança.
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Antes de avaliar se um trust é a escolha certa, é comum que surjam dúvidas. A seguir, reunimos algumas das mais recorrentes para ajudar você a entender melhor essa estrutura.
O trust revogável pode ser alterado ou extinto a qualquer momento pelo instituidor. Já o irrevogável não pode ser modificado depois de criado, mas oferece mais proteção jurídica e tributária.
Sim, os custos são considerados altos. A abertura pode custar de 10 mil a 50 mil dólares, além de taxas anuais de administração. Por isso, ele é mais indicado para famílias com grandes patrimônios.
Sim, na maioria dos casos o trust evita o inventário, porque os bens já foram transferidos para a estrutura antes da morte do instituidor. Isso torna o processo de sucessão mais rápido e menos burocrático.
Os rendimentos de um trust no exterior são tributados como se fossem recebidos diretamente pelos beneficiários residentes no Brasil, com alíquota de 15%. Também pode haver cobrança de ITCMD na transmissão de bens.
O trust é um contrato de administração de bens, enquanto a offshore é uma empresa registrada fora do país. O primeiro tem foco em sucessão e proteção patrimonial. O segundo é usado principalmente para fins de investimento e organização societária.
No Brasil não existe trust regulado por lei nacional, já que essa figura pertence ao sistema common law, adotado em países como Estados Unidos e Reino Unido. O que ocorre é o reconhecimento de estruturas constituídas no exterior, que podem ter validade desde que respeitem o direito internacional privado e a legislação tributária brasileira.
A Lei nº 14.754/2023 representou um marco ao trazer, pela primeira vez, definições de papéis como settlor, trustee e beneficiary, além de reconhecer documentos como o trust deed e a letter of wishes. Na prática, a lei trata o trust como um contrato regido por normas estrangeiras, mas com efeitos fiscais no Brasil.
Como não existe um trust nacional, famílias brasileiras que desejam organizar a sucessão patrimonial costumam recorrer a alternativas locais, como:
Para quem opta por um trust estrangeiro, é indispensável observar a obrigatoriedade de declarar bens e rendimentos no Imposto de Renda, cumprir as normas cambiais do Banco Central e estruturar um planejamento tributário que evite bitributação.
O trust é uma ferramenta de planejamento patrimonial que ajuda famílias a proteger e transferir bens de forma organizada. Ele permite evitar inventários, reduzir conflitos familiares, manter a privacidade e garantir que a vontade do instituidor seja respeitada.
Por outro lado, não é uma solução barata nem simples. Exige custos elevados, acompanhamento especializado e atenção às regras tributárias brasileiras.
Antes de decidir pela abertura de um trust, é importante avaliar se os benefícios justificam os custos e contar com orientação profissional. Assim, o trust pode se tornar um instrumento eficiente para garantir a continuidade e a preservação de um legado familiar.
No fim, a decisão de abrir um trust não se resume a números, mas ao valor de um legado bem cuidado. Mais do que proteger bens, é sobre proteger histórias, vínculos e o futuro de quem vai dar continuidade a tudo o que foi construído.