A reforma tributária é uma modificação nas leis que determinam os impostos e a sua forma de cobrança. Ela compreende três propostas distintas: a PEC 45/19, que tramita na Câmara dos Deputados; a PEC 110/19, do Senado Federal; e o PL 3887/20, do Governo Federal.
A primeira parte da reforma tributária (PL 3887/20) foi apresentada ao Congresso Nacional em julho de 2020 pelo atual Ministro da Economia, Paulo Guedes.
A proposta prevê a criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que substituiria os atuais PIS/Pasep e Cofins.
Mas você sabe o que está previsto nesse projeto e como a sua aprovação pode impactar os investimentos?
Será que o Brasil realmente precisa de uma reforma tributária?
Neste artigo, vamos responder essas e outras perguntas, reunindo tudo que você precisa saber sobre a reforma tributária.
Boa leitura!
Indice
Segundo relatório do Banco Mundial sobre ambiente de negócios, o Brasil ocupa a posição 184 entre 190 países no quesito “pagamento de impostos”.
Nesse sentido, é importante ressaltar que o impacto no resultado não vem do tamanho da carga tributária (hoje de 33% no Brasil), mas sim da quantidade de horas trabalhadas pelas empresas para cumprir suas obrigações.
De acordo com o Banco Mundial, uma empresa brasileira gasta cerca de 1.501 horas por ano para pagar todos os impostos, contra 256 horas na Colômbia e 139 horas na França, por exemplo.
Já o site impostômetro aponta que, em 2020, foram necessários 151 dias de trabalho para honrar os débitos junto ao fisco.
Ainda, o estudo mais recente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) mostrou que todos os tributos somados representam mais de 41% do salário médio do brasileiro.
Mesmo com a elevada cobrança, o Brasil figura em 30° lugar entre os países cujos impostos trazem mais benefícios para a sociedade. Logo, percebe-se a disparidade entre o arrecadado e o oferecido à população.
Como vimos, a primeira parte da reforma tributária propõe a simplificação de tributos sem o aumento da carga (ao menos, por ora).
Nesse sentido, PIS e Cofins seriam substituídos pela CBS, um tipo de imposto sobre valor agregado (IVA), que teria alíquota única de 12% sobre a receita bruta de cada operação.
No caso dos bancos, a alíquota seria menor, de 5,8%.
Serviços que impactam a população, como transporte público coletivo municipal rodoviário, metroviário, ferroviário e aquaviário ficariam isentos.
Também não seriam obrigados a pagar a CBS as pessoas jurídicas que não exercem atividade econômica. Alguns exemplos são igrejas, partidos políticos, sindicatos, fundações e instituições de assistência social.
Por sua vez, setores de prestação de serviços com mão de obra intensiva, como educação, segurança, informática, telecomunicações, hotelaria e transporte aéreo, deverão sofrer aumento de tributação.
Isso porque, no modelo de valor agregado da CBS, o custo maior da mão de obra não gera crédito para ser compensado.
Logo, se a proposta for aprovada sem alterações, provavelmente os preços desses serviços aumentarão para a população.
Esses setores já se movimentam para contestar a PEC. Nesse sentido, reivindicam a desoneração da folha de pagamento como forma de compensação da elevação das alíquotas.
Até agora, vimos a primeira parte da nova reforma tributária, a PL 3887/20, mas outros dois pontos desse projeto merecem ser explorados devido às suas características e seu possível impacto: a PEC 45/19 e a PEC 110/19.
A proposta tem o objetivo de substituir cinco tributos por um só.
A lista tem os seguintes impostos:
Pela proposta, todos eles dariam lugar ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
A base de cálculo do IBS seria uniforme em todo o Brasil, mas os estados e os municípios poderiam fixar alíquotas próprias.
Além disso, a proposta prevê a incidência de um imposto seletivo federal sobre bens e serviços prejudiciais à população, como tabaco e bebidas alcóolicas.
Essa fase da reforma tributária não prevê nenhum benefício fiscal. Por isso, o texto é considerado agressivo e tem sofrido resistências.
No entanto, a sua implantação seria gradual e levaria até 50 anos para ser concluída.
Assim como a PEC 45/19, essa proposta também prevê a substituição de impostos.
Nesse caso, será criado um Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS) e nove tributos serão extintos:
O IBS seria estadual e sua alíquota, fixada por Lei Complementar. Também seria seletivo – alguns bens e serviços poderiam ter alíquotas diferenciadas.
A PEC 110/19 também contempla a extinção da CSLL, a transferência do ITCMD (estadual) para a competência federal e a ampliação da base de incidência do IPVA.
Além disso, prevê benefícios fiscais para alimentos, medicamentos, transporte público, saneamento básico e educação infantil.
A princípio, essa proposta seria a mais abrangente das três e sua transição se daria em 15 anos.
Apesar de a PL 3887/20 não prever aumento da carga tributária, alguns segmentos e empresas poderão ter mais desembolsos com a criação da CBS.
Nesse sentido, o setor que mais tem reagido contra a proposta é o de serviços.
Assim como outros impostos sobre valor adicionado, o CBS não é cumulativo.
Isso significa que o próximo elo da cadeia (uma loja que compra da indústria, por exemplo), pode deduzir de seus débitos tributários o valor que o seu fornecedor já pagou.
Porém, no caso dos serviços, a cadeia produtiva normalmente é pequena. Além disso, o segmento consome poucos insumos que geram crédito tributário.
ogo, é bem provável que a carga tributária do segmento aumente com a CBS.
A proposta do governo prevê a manutenção do Simples, que é a forma de tributação mais utilizada pelas micro e pequenas empresas que se enquadram na modalidade.
Isso protegeria o pequeno empreendedor dos efeitos da CBS, mas não o setor de ensino privado, por exemplo.
As outras PECs que já tramitam pelo Congresso (45/19 e 110/19) também têm como objetivo a reformulação de impostos sobre bens e serviços.
A princípio, as alíquotas foram calculadas de modo a não elevar a carga tributária. O que ocorre é que, de forma geral, hoje as mercadorias são mais tributadas do que os serviços no Brasil.
O ICMS, por exemplo, possui alíquotas entre 7% a 35%, enquanto o ISS chega no máximo a 5% sobre os serviços.
Dessa forma, a unificação dos tributos provocaria uma equalização de alíquotas entre mercadorias e serviços.
Além disso, como vimos, o setor de serviços tem menos capacidade de gerar créditos tributários e, logo, sempre terá menos valores para abater de seus débitos junto ao fisco.
Por tudo isso, o segmento de serviços é o principal afetado pelo atual formato da reforma tributária.
O mercado como um todo concorda que o principal ponto favorável da reforma tributária é a simplificação e transparência que ela trará ao sistema de arrecadação do Brasil.
No entanto, juristas e especialistas tributários apontam alguns aspectos que merecem atenção por parte do governo. A seguir, comentaremos dois deles.
O primeiro diz respeito à autonomia dos estados e municípios.
Muitos juristas apontam que, apesar dos repasses previstos de parte da arrecadação, as PECs 45 e 110 ferem, de certa forma, o pacto federativo.
Isso porque elas reduzem, em parte, a autonomia dos estados e municípios.
Resumidamente, o pacto federativo estabelece a autonomia entre os três níveis de governo – federal, estadual e municipal.
Ou seja, ele define que o poder não é centralizado no governo federal, e que os estados e municípios têm liberdade para decidir sobre assuntos locais.
Segundo a PEC 45/19, os estados e municípios poderão definir suas alíquotas próprias no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
No entanto, esses entes não terão a mesma autonomia que possuem hoje, no sentido da abrangência dos tributos de sua competência.
O segundo ponto chama atenção para o risco de uma alíquota única excessivamente alta.
Como o governo federal propõe 12% para a CBS, sobraria somente 13% para estados e municípios se quisessem manter uma alíquota-alvo de 25%.
No entanto, estudos do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), apontam que, para manter o nível atual de arrecadação, a alíquota estadual deveria ser de 13,8%, e a municipal, de 2%.
Dessa forma, o somatório das alíquotas federal, estadual e municipal seria de, no mínimo, 28%.
Isso tornaria o Brasil o país com a maior alíquota nominal consolidada entre as nações acompanhadas pela OCDE.
Em outubro, o senador Roberto Rocha afirmou que a nova reforma tributária seria votada em comissão mista, presidida por ele, até 10 de dezembro.
As eleições, no entanto, dificultaram o avanço das negociações. Isso porque, tanto na Câmara quanto no Senado, praticamente todos ficaram em campanha eleitoral.
Nesta quarta-feira, 9 de dezembro,Rocha anunciou que a comissão especial criada para analisar a reforma foi prorrogada até 31 de março de 2021.
Ele apontou o calendário de votações em dezembro e as eleições à presidência da Câmara e do Senado como os motivos da prorrogação.
Mesmo com as tratativas do atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para articular um avanço da reforma, não há previsão para que a pauta seja votada pelos congressistas.
Alguns itens da reforma tributária atingem também o planejamento financeiro dos investidores de forma geral. Vejamos quais são eles:
Nos moldes da antiga CPMF, esse tributo incidiria sobre todos os pagamentos eletrônicos, e teria alíquota de 0,2% sobre cada movimentação.
Segundo juristas, como esse imposto recai sobre pagamentos online, ele poderia dar margem a discussões sobre uma eventual bitributação.
Isso porque o IBS já incidirá sobre bens e serviços do e-commerce, por exemplo.
Esse imposto viria na segunda fase da reforma tributária, e incidiria sobre as operações feitas na Bolsa de Valores e com títulos atrelados ao CDI, referência para a renda fixa.
A alíquota do tributo ficaria entre 0,2% e 0,4%.
No caso da renda fixa, essa tributação prejudicaria ainda mais o investidor, que há tempos tem visto os seus ganhos reduzirem com o corte dos juros.
Dependendo do caso, o rendimento real da aplicação ficaria negativo.
Já no caso da Bolsa, seria mais um custo além das usuais taxas de corretagem e custódia cobradas por algumas corretoras.
Ou seja, a renda variável, que ainda é o refúgio de rentabilidade de alguns investidores, também terá seu resultado comprometido.
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A proposta também determina que as empresas retenham 15% de imposto sobre os lucros e dividendos distribuídos.
O governo alega que a medida é justa, já que trabalhadores sofrem descontos nos seus salários, enquanto quem recebe dividendos não é tributado.
No entanto, isso também terá impacto no mercado de capitais.
Atualmente, a isenção de tributos é um dos atrativos para se investir em determinada empresa.
Com a incidência, os dividendos distribuídos pelas companhias serão menores.
Inclusive, alguns analistas comparam essa tributação ao efeito do come-cotas dos fundos de investimentos.
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Atualmente, nos fundos fechados o imposto de renda incide somente no resgate das cotas ou no final do prazo de duração do fundo.
Com a nova proposta, a ideia é implantar o mesmo sistema de tributação semestral dos fundos abertos.
Essa proposta foi enviada ao Congresso ainda durante o governo Temer, porém voltou à discussão no final de 2019.
Entre outros pontos, o texto também inclui modificações na tributação dos fundos de participação (FIPs).
Apesar de necessária e urgente, há muitas incertezas quanto à votação da reforma tributária ainda em 2020.
Como vimos, um dos motivos foram as eleições, que direcionaram a atuação dos congressistas para esforços eleitorais.
Além disso, depois da reforma da previdência, a mobilização do Congresso parece estar em torno da reforma administrativa.
Esse é outro fator que poderá deixar a pauta tributária em segundo plano, ao menos momentaneamente.
Por fim, há poucas semanas, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, disse perceber o desinteresse na reforma tributária.
Nesse sentido, atribuiu ao Executivo os obstáculos para o andamento da pauta.
Dessa forma, é importante que o investidor permaneça atento ao noticiário político e econômico, para ficar informado sobre os próximos passos da votação das PECs e do projeto de lei do Executivo.
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