Autonomia do Banco Central: o que significa, qual a sua importância e o que foi aprovado pelo governo

Publicado por
Redação Warren

Nas últimas semanas, o debate sobre a autonomia do Banco Central voltou ao noticiário econômico e à pauta do Congresso.

A questão não é novidade, mas ganhou novo fôlego em meio à discussão sobre a atuação do Banco Central durante a crise no Brasil e às dificuldades que o governo tem enfrentado para conciliar pautas políticas e econômicas.

O que se discute atualmente não é uma separação total entre Banco Central e poder Executivo, mas uma forma de limitar a influência do Planalto sobre decisões de política monetária.

Mas o que significa exatamente a autonomia do Banco Central? 

Como as autoridades buscam este equilíbrio de poder, e o que foi aprovado pelos parlamentares até agora?

Neste artigo, vamos explicar os pontos centrais deste debate e quais são os argumentos contra e a favor da autonomia do Banco Central. 

Confira!

Qual é o papel do Banco Central?

Para entender melhor o que está em jogo nesta discussão, é importante explicarmos o que é o Banco Central e quais são as suas funções.

O Banco Central do Brasil (BCB) é uma autarquia do governo e é a autoridade monetária do país

Sua principal atribuição é manter a estabilidade da moeda nacional e do sistema financeiro brasileiro.

Isto significa que o BCB é responsável por evitar uma valorização ou desvalorização muito rápida e acentuada do real, e também por supervisionar as operações financeiras no Brasil e garantir que os bancos tenham liquidez para os saques dos clientes.

Para atingir estes objetivos, o BCB estabelece metas de inflação, controla a quantidade de moeda em circulação no país, gerencia os títulos públicos federais e determina quais instituições podem prestar serviços financeiros, entre outras medidas.

Quando o real corre risco de perder muito valor no mercado internacional, o BCB tem o poder de intervir com vendas pontuais de dólar para pressionar a cotação. 

O mesmo ocorre se o real se fortalecer muito rápido, o que prejudica algumas atividades de exportação.

Além disso, o presidente do BCB e alguns diretores compõem o Conselho Monetário Nacional (CMN), assim como o Ministro da Economia e secretários do Ministério.

Entre outras funções, o CMN direciona a política fiscal do governo brasileiro.

O que é autonomia do Banco Central?

Em termos simplificados, a autonomia do Banco Central significa que o órgão e seus diretores têm liberdade para executar as políticas monetárias sem interferência do governo.

No Brasil, o presidente do Banco Central e a maior parte dos diretores são indicados pelo presidente da República. 

Após a nomeação, os indicados são sabatinados pelo Senado e podem ser aprovados ou não. 

Desde a fundação do BC, em 1964, o presidente da autarquia tinha status de ministro e não havia limite de tempo para sua permanência no cargo. 

Contudo, o presidente da República tinha poder para demitir o presidente e diretores do BC sem consultar o Congresso.

Esta prerrogativa do Executivo é fonte de controvérsias há décadas, desde o fim da ditadura militar e início da redemocratização do país. 

Para muitos especialistas, a legislação permite a interferência política do Planalto em decisões de política econômica.

Isto ocorre porque as agendas política e econômica, ainda que intrinsecamente relacionadas, podem divergir em relação ao melhor caminho para o crescimento e desenvolvimento do país.

Desta forma, há um movimento entre economistas que defende a autonomia do Banco Central para tomar decisões técnicas sem receio de represálias ou exonerações por parte do governo federal.

No tópico a seguir, vamos explicar melhor como a atuação do BC pode ser prejudicada pelo projeto político do governo.

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Por que a autonomia do Banco Central é importante?

A autonomia do Banco Central é considerada fundamental para o funcionamento da democracia, uma vez que limita a influência da agenda político-partidária sobre decisões que devem ser primariamente de natureza técnica.

A autonomia do Banco Central existe na maioria das grandes economias mundiais, como: 

  • Estados Unidos
  • Japão
  • Inglaterra
  • Alemanha
  • França

Além disso, o Banco Central Europeu (BCE) é independente dos órgãos de poder da União Europeia.

Um fator central citado por economistas em relação ao BC é chamado de “ancoragem das expectativas”.

Essencialmente, tanto o mercado financeiro quanto o setor produtivo operam com base em expectativas. 

Quando as autoridades econômicas tomam decisões de caráter técnico, os agentes têm maior previsibilidade em relação ao futuro da economia.

Do contrário, se decisões sobre juros e política fiscal são guiadas por ideologias ou fins eleitorais, não é possível ter certeza de que as ações do governo estão em sintonia com o ciclo econômico. 

Neste caso, fala-se em “desancoragem das expectativas”.

A natureza da discussão é semelhante ao debate sobre intervenções estatais na Petrobras, por exemplo. 

O aparelhamento das instituições públicas pelo governo causa distorções nas projeções econômicas e aumenta a incerteza dos investidores em relação à economia.

Basicamente, a autonomia do Banco Central é crucial para garantir que os mecanismos centrais que influenciam a economia estão funcionando em sintonia com as demandas do mercado e da população, e não podem ser apropriadas por uma agenda eleitoral.

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Autonomia do Banco Central e inflação: qual a relação?

Um dos pontos centrais para compreender a relação entre a autonomia do Banco Central, inflação e governo é a taxa básica de juros do país, a taxa Selic.

A taxa Selic é a principal ferramenta de política monetária do BC para controlar a inflação, influenciando o custo de captação dos bancos e a quantidade de moeda em circulação no país.  

Em termos simples, juros baixos costumam aquecer a economia e gerar alta dos preços, enquanto juros altos freiam a atividade econômica e pressionam a inflação.

No entanto, a taxa Selic é também um indicador econômico que sinaliza as próximas ações econômicas do governo e influencia a especulação e as oscilações no mercado financeiro.

Quando a taxa básica de juros é cortada, os rendimentos de aplicações da renda fixa são reduzidos e os investidores têm um incentivo para buscar melhores retornos na bolsa.

Este movimento de estímulo à renda variável é um dos pilares da política econômica do atual governo, que é alinhado à pauta liberal e ao fortalecimento do livre mercado.

Coincidência ou não, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC manteve a Selic no nível mais baixo da história (2% ao ano) por vários meses durante a pandemia, ainda que o IPCA acumulado em 12 meses estivesse ameaçando a meta de inflação oficial de 4,5% ao ano.

O Copom só alterou a Selic em sua última reunião, quando parte do mercado financeiro já considerava o movimento atrasado.

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Outro exemplo atual de atritos que podem ocorrer entre agenda econômica e agenda política está relacionado à inflação puxada pelo câmbio. 

Em 2020, o dólar acumulou alta de mais de 29% frente ao real. 

Esta desvalorização da moeda brasileira foi o principal motor da disparada da inflação medida pelo IGP-M, que atingiu alta recorde de 25,71% entre fevereiro de 2020 e janeiro de 2021.

Ao mesmo tempo, o real mais barato torna mais competitivas algumas das principais exportações brasileiras, incluindo minério de ferro, petróleo e commodities agrícolas como soja, café, algodão, açúcar e milho.

Para contexto, as exportações do agronegócio superaram US$ 100 bilhões em 2020 e o setor encerrou o ano em superávit recorde de US$ 87,7 bilhões, segundo o Ministério da Agricultura.

O resultado disso é que o governo federal, que tem no agronegócio uma de suas principais bases de apoio, poderia vir a limitar o poder de atuação do BC contra a inflação e a desvalorização da moeda, para favorecer setores específicos da economia, caso o Banco Central não tivesse autonomia para atuar.

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O que foi aprovado pelo Congresso sobre a autonomia do Banco Central?

Em fevereiro de 2021, o Congresso Nacional aprovou um projeto de lei que estabelece um mandato de quatro anos para o presidente e os diretores do Banco Central.

A lei foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro no mesmo mês.

Segundo a nova legislação, o presidente do BC e os diretores ainda serão indicados pelo presidente da República e sabatinados pelo Senado. 

No entanto, uma vez empossados, os servidores não podem ser exonerados por ordem do Executivo.

Ao final dos mandatos, o presidente do Banco Central e os outros oito diretores podem ser indicados uma única vez para ocupar novamente os cargos por mais quatro anos.

Além disso, a maioria dos mandatos do BC não deve coincidir com o mandato do presidente da República

Dos nove diretores, dois assumem no primeiro ano da gestão do Executivo; dois no segundo ano; três (incluindo o presidente) no terceiro ano; e dois no quarto ano, sempre no dia 1º de março.

Outro ponto que foi validado pela nova lei diz respeito à dedicação exclusiva dos chefes do BC. 

O presidente e os diretores podem exercer qualquer outra função pública ou privada em paralelo ao cargo na autoridade monetária.

Além disso, os diretores do Banco Central podem ter participação acionária em instituições financeiras privadas supervisionadas pelo BC. 

Os cônjuges e parentes em até segundo grau dos diretores e do presidente também podem ser acionistas destas instituições.

Por fim, o texto ainda oficializa a separação entre Banco Central e Ministério da Economia e reforça o compromisso da autoridade monetária com o combate à inflação, a estabilidade do sistema financeiro e a fomentação ao pleno emprego.

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Quais são as críticas à lei de autonomia do Banco Central?

É inegável que o projeto aprovado para a autonomia do Banco Central do Brasil reduz a capacidade de pressão do governo federal sobre o presidente e os diretores do BC, uma vez que impede o presidente da República de demitir um servidor por divergências políticas.

A principal crítica feita por especialistas à nova lei não diz respeito à existência ou não da autonomia do Banco Central, mas sim à real independência que a autoridade monetária conquista com essa medida.

Em primeiro lugar, a nova lei mantém a indicação dos cargos de direção exclusivamente pelo presidente da República e a sabatina pelo Senado. 

Assim, a dinâmica política das nomeações se mantém: o Planalto sempre indicará nomes alinhados à sua agenda, e a aprovação depende da negociação de apoio entre o Executivo e o Congresso.

Esse sistema de nomeação diverge do método de eleição interna adotado, por exemplo, nos EUA. 

O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) é formado por autoridades descentralizadas e o presidente nacional da entidade é eleito pelos diretores regionais.

Além disso, como os indicados aos cargos são historicamente ligados a gestoras de ativos e à alta cúpula de instituições financeiras, alguns especialistas argumentam que o novo sistema ainda não dá espaço para linhas econômicas divergentes dentro do BC.

Outra crítica apresentada à legislação refere-se às funções paralelas e participações societárias dos diretores. 

Como explicamos no tópico anterior, a lei não restringe qualquer tipo de conflito de interesses pelos chefes do BC.

Em outras palavras, um diretor do Banco Central pode ser acionista de um banco supervisionado pela autoridade monetária, e também prestar consultoria a uma instituição que também esteja sujeita à regulamentação pelo BC.

Por fim, a visão predominante no mercado é de que a autonomia do Banco Central trará poucas mudanças no curto prazo.

A cúpula atual do BC é alinhada à equipe econômica do governo e o presidente Campos Neto, caso indicado, tem chances de continuar à frente do BC até 2027.

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