Se você acompanha o noticiário econômico, provavelmente já leu a respeito da dominância fiscal. Mas você sabe exatamente o que esse termo significa?
Não é novidade que as contas públicas do Brasil estão em grave desequilíbrio há alguns anos.
Em 2014, o país voltou a registrar déficit primário, o que acendeu o sinal de alerta no mercado financeiro para o possível descontrole dos gastos públicos.
Seis anos depois, a situação fiscal brasileira encontra-se ainda mais crítica, apesar dos contínuos esforços do governo para cortar gastos e conter o crescimento da dívida pública.
Agora, diante dos sinais de aceleração da inflação em 2021, aumenta a preocupação com o risco de dominância fiscal — cenário em que as ferramentas econômicas do Banco Central perdem eficácia e forçam medidas de controle fiscal mais drásticas.
Mas por que este quadro é prejudicial aos seus investimentos?
Neste artigo da Warren, você vai entender o que é dominância fiscal, que ameaça ela representa à economia nacional e como proteger seus investimentos neste cenário.
Indice
A dominância fiscal é uma situação de desequilíbrio em que a crise fiscal passa a “dominar” a política econômica do país, de forma que todas as tentativas de solucioná-la podem acabar agravando o problema.
Em um cenário de dominância fiscal, o governo não consegue controlar a alta da inflação através da taxa de juros e o Brasil entra em uma “espiral” descendente — os preços em geral sobem, a dívida pública continua crescendo e a confiança internacional no país cai.
Para compreender melhor como funciona este fenômeno, é preciso entender alguns princípios básicos de política monetária e política fiscal.
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A principal ferramenta de política monetária do Banco Central é a taxa básica de juros, também chamada de taxa Selic. Entre outras funções, ela influencia os juros que os bancos pagam para tomar dinheiro emprestado do Tesouro Nacional.
Quando a economia nacional precisa de estímulo, o Banco Central corta a taxa Selic, o que reduz o custo de captação dos bancos e incentiva as instituições a oferecerem empréstimos a juros mais baixos.
Em outras palavras, uma Selic mais baixa serve para ampliar a oferta de crédito no país.
Assim, a população tem acesso a mais dinheiro para consumir, e as empresas podem aumentar seus investimentos e contratar mais funcionários.
Por outro lado, este aquecimento da atividade econômica causa o efeito colateral de acelerar a inflação — tanto pelo lado da demanda quanto da oferta, a maior circulação de dinheiro leva à alta generalizada dos preços.
Se o aumento dos preços estiver muito acelerado e ameaçar a meta de inflação do governo, o Banco Central faz o caminho inverso e eleva a taxa Selic; desta forma, a economia “esfria” e a inflação desacelera.
Em resumo, a política monetária tem a função de regular a liquidez do sistema financeiro — isto é, controlar a oferta de moeda no mercado de forma a equilibrar o nível de preços no país.
Responsável pela política monetária, o Banco Central usa as metas de inflação como base para as decisões relativas à taxa de juros.
Paralelamente à política monetária, o governo deve seguir as diretrizes da política fiscal. Ela funciona como um planejamento estratégico para garantir o crescimento sustentável, a distribuição da renda e os serviços públicos de qualidade.
É através da política fiscal que o país determina todas as suas receitas e despesas. Ela serve como guia para o Orçamento da União e para as alíquotas dos impostos federais.
A política fiscal permite ao governo “injetar” dinheiro diretamente na economia.
Isso pode ocorrer por meio de investimentos públicos, programas de assistência social e subsídios a indústrias e empresas, por exemplo.
No entanto, essas medidas de estímulo fiscal geram custos para os cofres públicos. Para financiar suas operações, o governo precisa gastar de forma responsável e manter um nível adequado de arrecadação, que ocorre principalmente através de impostos.
Se o governo gastar mais do que arrecada em um ano, falamos em déficit fiscal — neste caso, o país precisa tomar empréstimos (sobre os quais incidem juros), geralmente através da emissão de títulos públicos.
O déficit primário ocorre quando as receitas não são suficientes para pagar nem mesmo o montante “inicial” da dívida, desconsiderando o valor dos juros.
Na prática, a dívida vai se tornando cada vez mais cara de sustentar, o que cria uma bola de neve nas contas públicas.
Além disso, vale lembrar que a política fiscal também tem impacto sobre a inflação do país.
Quanto mais o governo gasta, mais cresce o nível de emprego e a renda da população, o que estimula o consumo e gera elevação dos preços.
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Tanto a política monetária quanto a fiscal são fortemente influenciadas por um grande fator comum: a taxa básica de juros.
Isso acontece porque a taxa Selic afeta simultaneamente os juros que o Tesouro cobra para emprestar dinheiro e os juros que o governo paga a seus credores.
Atualmente, cerca de dois terços da dívida pública brasileira são indexados à taxa Selic.
Em outras palavras, o instrumento usado pelo Banco Central para controlar a inflação também interfere na dívida pública.
Se os juros sobem, a inflação desacelera, mas o endividamento cresce; por outro lado, um corte nos juros “barateia” a dívida, mas impulsiona os preços.
Esta relação entre a política fiscal e a monetária é central para manter o equilíbrio da economia.
Embora as autoridades tenham autonomia para elaborar as políticas separadamente, esta interdependência a partir dos juros é sempre considerada.
Imagine que um país esteja passando por um período de alto desemprego e baixa atividade econômica. Para estimular a economia, o Banco Central desse país reduz a taxa de juros, favorecendo o consumo e os investimentos privados.
Em contrapartida, para evitar uma disparada da inflação, o governo congela investimentos públicos e reduz programas de assistência social. Isso ajuda a manter a dívida e os preços sob controle.
Agora, imagine que este mesmo país, ainda com os juros baixos, seja atingido por uma forte crise. O governo é forçado a tomar grandes empréstimos e implementar medidas emergenciais para combater a recessão, fazendo com que a inflação acelere.
Para conter a alta dos preços, o Banco Central deste país pode elevar os juros, mas o efeito colateral seria encarecer a dívida que o governo já contraiu. Por outro lado, se mantiver os juros baixos, tanto inflação quanto dívida continuam a avançar.
Para piorar, à medida que a crise fiscal se agrava, o governo perde investidores e precisa oferecer garantias mais altas para atrair recursos.
Este “beco sem saída” é exatamente o que caracteriza a dominância fiscal.
O cenário descrito acima não é meramente hipotético: é precisamente o risco que o Brasil enfrenta se a situação crítica das contas públicas do país não for solucionada.
O consenso entre economistas é de que o país ainda não chegou a um estágio de dominância fiscal, mas a situação vem ficando mais alarmante com a alta da dívida e os recentes indícios de disparada da inflação.
A inflação oficial do governo, medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), vem acelerando nos últimos meses.
Segundo o mais recente relatório Focus do Banco Central, o mercado financeiro já projeta que o Brasil encerrará o ano com IPCA em 4,21%, acima do centro da meta (4%).
Além disso, as projeções indicam inflação de 5,5% no início de 2021, superando a meta de 3,75%.
Além dos alimentos e da energia elétrica, a inflação vem sendo impulsionada pelos gastos do governo contra a pandemia da Covid-19 — somente para ações de combate à crise, foi aprovada uma verba extra de mais de R$600 bilhões.
Os preços gerais no país também enfrentam pressão do dólar. Apesar das recentes oscilações, a moeda americana acumula alta de 27,78% no ano frente ao real.
Pelo lado fiscal, o Brasil vive uma grave crise de endividamento. A dívida pública em 2020 deve superar 93% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo dados do Banco Central e da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado.
Até outubro, de acordo com o Banco Central, o déficit primário do setor público chegou a R$ 661,8 bilhões no acumulado em 12 meses. Acrescentando-se os juros, o déficit chega a R$ 1,011 trilhão.
Apesar da trajetória de alta estratosférica da dívida, a previsão do mercado financeiro é de que a taxa Selic deve subir em 2021 para frear a inflação. Os economistas preveem que a taxa de juros encerre o ano que vem em 3% ao ano e em 4,5% em 2022.
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Como explicamos acima, embora o Brasil não esteja em dominância fiscal, a crise nas contas públicas se aproxima de um ponto crítico, e as potenciais consequências para o país parecem cada vez mais graves.
A alta da dívida pública faz elevar o Risco Brasil — o indicador de percepção internacional de risco para investidores que queiram aplicar dinheiro no país.
O endividamento também prejudica o rating soberano brasileiro, ou seja, a avaliação de risco de “calote” do governo.
Esses dois indicadores refletem um quadro de instabilidade política e econômica que é prejudicial à atração de investimentos estrangeiros.
Esta deterioração da imagem é refletida na fuga de capital externo que o Brasil vive hoje: entre janeiro e setembro, a bolsa brasileira perdeu R$ 87,5 bilhões de capital internacional.
Para compensar as classificações de risco, o governo brasileiro precisa oferecer retornos melhores aos seus investidores. Contudo, o risco de dominância fiscal limita o espaço que o Tesouro e o Banco Central têm para emitir títulos a juros mais altos.
Já no caso da renda variável, o impacto da perda de capital externo deve forçar empresas a reduzirem seus investimentos e projeções de lucro.
Além disso, diante da crise fiscal, a perspectiva de menos contratos públicos e investimentos em infraestrutura diminui as fontes de renda e a produtividade das companhias.
Para especialistas, a única forma de evitar a dominância fiscal no Brasil é realizando profundos ajustes fiscais para cortar os gastos públicos.
Desde 2016, quando Michel Temer assumiu a presidência da República, a política econômica brasileira foi redirecionada para o controle fiscal.
Em dezembro daquele ano, foi aprovado o Teto de Gastos, que hoje é fonte de incertezas sobre o cumprimento da regra.
A equipe econômica do atual governo, sob o comando do ministro da Economia, Paulo Guedes, ainda caminha vagarosamente para dar prosseguimento com a agenda iniciada pela gestão Temer.
Desde a aprovação da reforma da Previdência, em 2019, o governo não consegue avançar em uma série de projetos de ajuste fiscal travados no Congresso, incluindo as reformas tributária e administrativa, a PEC Emergencial e os projetos de privatizações.
Na avaliação de especialistas, a falta de articulação entre Planalto e Congresso é o principal obstáculo ao equilíbrio das contas públicas brasileiras.
Diante da crise fiscal e da incerteza sobre a capacidade do governo de equilibrar as próprias contas, as alternativas para investidores do mercado são diversificar a carteira e buscar ativos mais seguros.
Para investidores da renda variável, vale acompanhar o noticiário econômico e monitorar algumas aplicações mais resilientes à crise.
Commodities agrícolas, como soja e milho, vêm se beneficiando da alta do dólar e do lucro recorde de exportações do agronegócio.
Investidores mais conservadores podem encontrar uma solução no mercado de ouro, para proteger parte do patrimônio.
Embora não tenha tanta liquidez, o metal é tradicionalmente um porto seguro para momentos de recessão e vem se valorizando no mercado internacional nos últimos anos.
Para finalizar, é bom lembrar que a dominância fiscal ainda é uma hipótese ventilada por parte do mercado financeiro.
Apesar da deterioração das contas públicas, os títulos do Tesouro Direto de longo prazo ainda oferecem um grau considerável de segurança.
Além disso, há opções de títulos públicos indexados à inflação, como o caso do Tesouro IPCA.