Warren convida antropóloga Izabel Accioly para bate-papo sobre relações de poder e raça no Brasil  

A Warren tem compromisso com a diversidade e a inclusão. E essa construção passa também pelo fomento ao diálogo entre pessoas de diferentes contextos. 

Na última semana, os colaboradores da Warren participaram de um bate-papo com a mestre em Antropologia Social Izabel Accioly, de Fortaleza, Ceará.

Como pesquisadora, Izabel se dedica aos temas: relações de poder, conflito, socialidade, raça e interseccionalidade.

É também criadora do curso livre “Relações raciais e branquitude no Brasil” que, desde 2020, já teve mais de 2 mil alunos.

Abaixo você confere os destaques do encontro.

Vamos lá?

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Violência não é somente física

Izabel começou o encontro compartilhando uma experiência pessoal: “Morei em São Carlos, São Paulo, onde fiz meu mestrado na USP.

Eu morava perto da universidade e um dia um homem branco me abordou, sem ao menos dar oi, e perguntou quanto eu cobraria para limpar o apartamento dele. Ele inferiu, baseado na minha aparência, que eu era uma pessoa em uma profissão subalternizada”.  

A situação, para ela, mostra duas situações combinadas: machismo e racismo. Ela explica: “se fosse uma mulher branca, ele teria feito isso? E se fosse um homem negro, teria chamado para essa função?”.

Izabel expõe que a sociedade tende a entender como violência apenas quando ela se manifesta fisicamente. 

Brasil, país da diversidade?

Ninguém nega que o Brasil é um país diverso, desde a sua origem.

Aqui habitavam diversos povos indígenas, depois chegaram os colonizadores brancos e negros vindos do continente africano.

O que acontece, na visão de Izabel, é que essa diversidade é pouco vista na prática.

A antropóloga convida para uma reflexão:

“Quantas pessoas negras estão no seu núcleo de amigos ou no seu trabalho? E nos espaços que você frequenta? Se o país é tão diverso, e ele é mesmo, onde estão essas pessoas, quais espaços elas estão ocupando?”

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O período da escravidão

Izabel aponta que a história do Brasil é uma história de violência desde o início. “Começou no dia em que o homem branco europeu pisou aqui com objetivo de levar para sua terra tudo o que era de valor”. 

Sem deixar de lado a violência contra os povos indígenas, mas fazendo um recorte da violência contra o povo negro, ela aborda os reflexos do período de escravidão no Brasil, que durou 388 anos —  de 1550 a 1888.

“Quando a princesa Isabel assinou a Lei Área o povo negro deixou de ser escravo para se tornar empobrecido, favelado. Nunca houve o interesse em garantir direitos para aquelas pessoas e isso delimitou os espaços que poderíamos ocupar daí para frente.”

O primeiro Código Penal Brasileiro criminalizava pessoas a partir da Lei dos Vadios e Capoeiras, que prendia todos aqueles que estavam na rua ou praticando capoeira.

“E quem eram essas pessoas, sendo que o povo negro estava liberto mas sem direito algum e acesso ao mercado de trabalho?”, questiona.

Ela lembra também que faz menos de 100 anos que pessoas negras têm acesso ao voto e a ocupar escolas. Já a Lei de Cotas tem menos de 20 anos.

Não existe racismo no Brasil?

Ela pontuou que o período escravista afetou pessoas negras e brancas.

“Só que para pessoas negras ela trouxe sequelas. Para as brancas, o privilégio. E quando eu falo de privilégios não é só sobre dinheiro, é também simbólico.”

Como exemplo de privilégio simbólico, e que ilustra a sobreposição da questão racial diante da condição sócio-econômica, Izabel observa: “uma pessoa branca em um contexto de favela é abordada por um policial de um jeito diferente do que uma pessoa negra do mesmo contexto”.

Conforme a antropóloga, há pessoas que acreditam que no Brasil não existe racismo porque aqui, ao contrário do que aconteceu na África do Sul, não tivemos o Apartheid, um regime de separação racial

“Mas se você olhar para as escolas particulares da sua cidade vai ver a quantidade de crianças brancas. Não tem placa “proibido negros” na entrada, basta colocar uma mensalidade de 4 mil reais e esperar para ver quantos negros vão conseguir ter acesso”, aponta.

Hierarquia racial

Para Izabel, há uma hierarquia racial na sociedade cuja base é formada por mulheres negras — recorte esse que ela afirma acumular opressões. 

Considerando o contexto no Brasil, ela embasa sua afirmação com dados extraídos do Relatório Desigualdades Sociais por Cor e Raça do IBGE (2019): brancos são 70% entre os mais ricos, enquanto negros são 70% entre os mais pobres. E para cada R$ 1.000 recebidos por um homem branco, uma mulher negra recebe R$ 444.

“O racismo estrutura a sociedade brasileira”, conclui.

Apoiada em uma citação da filósofa e ativista negra estadunidense Angela Davis, Izabel reforça que é preciso tomarmos medidas que movimentam a base da pirâmide

Nas palavras de Ângela Davis: “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela, porque é tudo desestabilizado a partir da base da pirâmide social, onde se encontram as mulheres negras”.

Izabel traz a citação para sua própria realidade:

“Eu sou da base. E o que eu tive, com muito esforço e muito estudo, me permitiu impactar a vida do meu filho, que hoje se permite ter sonhos enormes. E isso vai impactar também as próximas gerações.”

“Ela é quase da família”

Ao longo do bate-papo, Izabel citou uma série de palavras e expressões que devem ser eliminadas do nosso vocabulário por terem caráter racista e opressor.

À começar pela frase do título que abre esta seção, muito falada por pessoas ao se referirem às mulheres contratadas para serviços domésticos.

Izabel traz uma reflexão: “é quase da família, mas não é. Ou ela está inclusa no seu plano de saúde?”.

Ela ensina: “ao se referir à pessoa que faz os trabalhos domésticos da sua casa, não chame de empregada. Chame de diarista ou trabalhadora doméstica”. 

Outras expressões citadas ao longo da conversa: denegrir, lista negra, mercado negro, cor do pecado, a coisa está preta, ovelha negra, inveja branca. Perceba que todas elas associam a cor preta a algo ruim.

Ainda conforme a antropóloga, é preciso cuidado com uma frase muito reproduzida, inclusive, pela mídia: dar voz. “As pessoas têm voz, o que falta é dar ouvidos”, explica.

O que você achou do bate-papo?

Além deste encontro, os colaboradores da Warren participam também neste mês de uma Oficina de Letramento Racial, com o objetivo de aprofundar o debate e apresentar as principais discussões acerca das relações raciais no Brasil. As duas sessões da oficina serão facilitadas por Izabel.


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