Agito no setor imobiliário: entenda o episódio entre CVM e MXRF11 que marcou o mercado  

O ano começou com um episódio bastante marcante para o setor de fundos imobiliários. A CVM, autarquia vinculada ao Ministério da Economia e principal órgão regulador do mercado financeiro brasileiro, publicou em janeiro uma posição a respeito de um FII, o MXRF11.

Poderia ser só mais um entre os diversos documentos emitidos pela CVM diariamente para regular o mercado. No entanto, a decisão reverberou e colocou em debate toda a classe de FIIs.

Preparei este artigo para que você entenda o episódio e descubra a análise que traçamos na Warren. Vamos lá?

O fundo MXRF11 e a questão que “incomodava” a CVM

O MXRF11 é um Fundo de Investimento Imobiliário (FII) sob gestão da XP Asset que investe em três estratégias do segmento imobiliário. O fundo carrega CRIs, estratégia de crédito que compõe basicamente 72% da carteira, permutas financeiras, que ocupam 14%, além do investimento em outros FIIs, ocupando os 14% restantes. Para o longo prazo, o fundo tem como alvo uma alocação de 80% em CRIs e 20% em permutas.

O patrimônio líquido do MXRF11 é de mais de R$ 2 bilhões (um tamanho bastante relevante para o setor imobiliário), contando com uma das maiores bases de cotistas pessoas físicas do mercado (mais de 400 mil CPFs). Ou seja, o MXRF11 é um fundo grande, conhecido e que possui muitos investidores dos mais diversos tamanhos.

O fundo entrou para o escrutínio da Comissão de Valores Mobiliários, a CVM, por distribuir mais recursos do que o seu lucro contábil. Apesar de soar estranho, é razoavelmente normal um FII distribuir mais do que seria o lucro pelo fato de a distribuição ser pautada no fluxo de caixa e não no regime de competência.

Descomplicando um pouco o financês, existem duas formas de se registrar algo na contabilidade: quando o dinheiro sai e entra ou quando você reconhece que um evento pode acontecer. 

Isso quer dizer que, para o regime de competência, que direciona o lucro, existem linhas de desconto/acréscimo que não representam saídas/entradas efetivas de dinheiro.

Trazendo para o dia a dia, imagine que você possui um apartamento e o aluga por R$ 100 ao mês. Digamos que esse mesmo apartamento custou, 5 anos atrás, R$ 1000. 

Você é um proprietário muito interessado e anualmente contrata uma consultoria para te dizer quando o seu imóvel vale no caso de uma venda. Até hoje não houve mudança no preço da venda, mas dessa vez o consultor te diz que, na verdade, ele vale R$ 900. 

Sob o regime de competência, o seu lucro em um ano seria de 12x o seu aluguel (R$ 1200) menos os R$ 100 de flutuação do apartamento, resultando em R$ 1100 de lucro. 

Entretanto, você não desembolsou R$ 100. Seu fluxo de caixa efetivamente segue sendo R$ 1200.

Valor do imóvel na compraValor do imóvel atualmenteAluguel cobradoFluxo de caixaLucro sob regime de competência
R$ 1000R$ 900R$ 100R$ 1200R$ 1100

A decisão do órgão e o impacto para os investidores e para o mercado

No último dia 26, de forma colegiada mas não unânime, a CVM divulgou o seu entendimento a respeito do modelo de distribuição do FII MXRF11. 

A postura do órgão argumentava que a distribuição de dividendos deve ser de, no máximo, o valor do lucro contábil. Ou seja, ainda usando o exemplo acima, você só poderia distribuir como dividendos os R$ 1100 que você teve de lucro no ano.

Ainda segundo a CVM, os R$ 100 restantes, caso fossem distribuídos, deveriam ser classificados como amortização do patrimônio líquido — como se você estivesse devolvendo para você mesmo R$ 100 daqueles R$ 1000 iniciais investidos.

Vale ressaltar que, se você decidisse vender seu apartamento agora, os R$ 100 de perda seriam reconhecidos no fluxo de caixa e o prejuízo de R$ 100 registrado, fazendo com que o fluxo de caixa e o lucro sejam os mesmos.

Levando em conta somente a ótica contábil, consideramos a decisão da CVM mais do que correta. Entretanto, a consequência prática para os investidores é que o preço médio do FII, quando há amortização, diminui. 

Ou seja, havendo lucro, o investidor pagaria mais imposto no ato da venda (até aí tudo bem), mas a CVM havia exigido a correção das contas desde 2014, o que acarretaria inclusive problemas com a receita federal, pois os investidores precisariam corrigir suas declarações para ajustá-las aos preços diminuídos a partir da amortização.

Por fim, além dos impactos para os investidores diretos do fundo em questão, essa mudança poderia: aumentar a volatilidade das distribuições, inviabilizar a estratégia de FoFs  (que durante a baixa acumulariam lucros negativos por um longo tempo) e ainda aumentar a volatilidade de alguns FIIs de CRI.

Como analisamos o cenário

Como adiantamos, entendemos que a decisão da CVM está tecnicamente correta. Além disso, entendemos a necessidade de haver uma padronização, pois alguns FIIs (em especial os de CRI) estavam decidindo sua distribuição de acordo com o resultado que fosse maior (caixa ou competência), o que, em nosso entendimento, está errado e, neste caso, pode sim gerar consequências significativas para o fundo.

Entretanto, o posicionamento da CVM foi muito duro e não levou em consideração as repercussões para os demais setores. Como também explicitamos anteriormente, a estratégia de FoFs seria praticamente inviabilizada caso esta virasse a regra do jogo. 

Sendo assim, publicamos dois Warren Insights sobre o tema, onde expressamos nosso ceticismo a respeito da manutenção da decisão no modelo atual. Você pode se aprofundar, clicar e lê-los na íntegra: parte 1 e parte 2.

Cabe também uma recomendação de cautela, sem a necessidade dos investidores de vender posições em FIIs por conta do cenário.

O que de fato ocorreu (e o que esperamos daqui para frente)

Na semana passada, a CVM soltou uma nova nota, afirmando entender que a posição anterior estava correta, mas que não levou em consideração a repercussão para o restante do mercado, decidindo assim por suspender a decisão e revisar o tema para emitir um posicionamento com um olhar mais transversal.

Como desde o início entendemos a decisão como precipitada, não vimos muito risco para os fundamentos de longo prazo da maioria dos FIIs. 

O debate sobre distribuição é válido e achamos que a CVM deve fazer com que os FIIs decidam de forma estrutural qual regime seguirão para balizar suas decisões.

Além disso, duvidamos que a decisão venha a ter caráter retroativo. Provavelmente a autarquia criará uma data para os FIIs decidirem o modelo que pretendem seguir e estipulará um período de ajustes, mas sem necessidade de revisitarmos declarações de imposto de renda anteriores.

Caso o regulador venha a ser mais duro do que esperamos ,limitando as distribuições ao lucro contábil, por exemplo, ou impedindo a distribuição de FIIs que possuam prejuízos contábeis acumulados, iremos nos posicionar de forma a evitar estes FIIs em questão e determinados segmentos que enxergamos como alvo de impactos imediatos.

Por fim, vale dizer que, quando olhamos para o mercado internacional, os primos americanos dos FIIs, chamados de REITs (Real Estate Investment Trust), não são limitados pela métrica de lucro contábil, usando como balizador o FFO (Funds From Operations, ou “Fundos gerados a partir das operações” em tradução livre), que seria a última linha de cálculo do regime caixa. O modelo americano dá pano para manga para muita discussão dentro da autarquia brasileira.

Enfim, ficamos felizes de termos lido corretamente a situação durante o olho do furacão, posicionando rapidamente os clientes que acompanham o nosso trabalho na Warren. Ficaremos de olho nas cenas dos próximos capítulos de perto, trazendo as novidades por meio de novos Warren Insights e mais texto aqui na Magazine.

Caso você tenha uma dúvida ou sugestão, deixo aberto o caminho para a conversa por meio do meu e-mail: bruno.viveiros@warren.com.br. Também convido você a conhecer a carteira recomendada de FIIs da Warren, que performou muito bem em 2021, entregando +2,3% de rentabilidade contra -2,2% do IFIX

Acompanhando nossa carteira, garantimos que você receberá uma atualização em tempo real caso enxerguemos uma quebra estrutural de tese, ajudando você a navegar em mares turbulentos quando necessário.

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