Quando eu estava no ensino médio, falava-se muito da importância de aprendermos mandarim, pois “em poucos anos a China será dominante e todo mundo vai precisar dominar o idioma no lugar do inglês”.
Mais de uma década depois, em uma carreira bem internacional, até hoje nunca precisei do mandarim. Não estou menosprezando a importância da economia chinesa.
A questão é que, como economista, percebo um grande desequilíbrio entre a expectativa e a realidade em relação à potência asiática.
Hoje, o vestibular dos anos 2020 segue cobrando conhecimento acerca do mesmo contexto geopolítico que cobrava-se nos anos 2010, 2000 e 1990.
Os professores de geografia ainda retratam uma economia chinesa próspera, com crescimento populacional abundante e com muito espaço para triunfar com a globalização.
Acontece que, na realidade, o super boom de crescimento chinês vem desacelerando há cerca de 30 anos.
Como em uma bolha de mercado, as expectativas ensinadas seguem congeladas e com uma enorme assimetria de informação.
O que mais me impressiona nesta expectativa sobre a China é o fato de ela ser irracional. Como boa economista, tenho dificuldade em fazer previsões com muita certeza. Afinal, “tudo depende”.
Mas, se eu fosse obrigada a fazer uma aposta correndo risco de vida, diria que a China não vai ultrapassar os EUA nos próximos 100 anos.
Claro, revoluções políticas, econômicas e tecnológicas podem mudar o rumo das coisas.
Mas, com as informações que tenho hoje, realmente não enxergo uma possibilidade natural para a China ultrapassar os EUA.
A seguir, apresento três argumentos para dar mais racionalidade às suas expectativas.
Indice
As evidências são o primeiro fator que baseia minha opinião econômica. Olhando para a curva de crescimento do PIB chinês, não é muito difícil identificar que há pelo menos 10 anos a China está constantemente crescendo menos.
A economia e a física têm muito em comum. Um carro em alta velocidade precisa primeiro reduzir a aceleração (mesmo freando, ele ainda vai para frente), para depois dar ré, correto?
Na economia é a mesma coisa: uma economia em crescimento acelerado passa primeiro pelo processo de crescer cada vez menos (redução da aceleração, o freio), até chegar no ponto em que o crescimento é negativo (a ré).
Não serei ousada a ponto de dizer que isso vai acontecer com a China num futuro próximo.
Esse tipo de previsão macroeconômica é tão científica como a astrologia – e eu não estou brincando.
O que posso afirmar com alguma convicção é que são baixos os indícios de que a economia chinesa tenha o fôlego de crescimento que minha professora de geografia retratava em meados dos anos 2000.
Abaixo, trago o gráfico da variação anual do PIB chinês em %, de 1970 até o ano passado.
Até o fim dos anos 1980, houve um movimento de aceleração, seguido pela manutenção da velocidade de crescimento até 2007. Na sequência, começamos a observar o freio (que, ressalto, não é sinônimo de ré).
O segundo fator que justifica minha aposta imaginária é geopolítico.
A invasão antecipada de Hong Kong, a disputa injustificada por território na Índia, e todas as ações militares do final de 2019 para cá mostram que o governo chinês está em uma clara busca por recursos alternativos.
É um padrão estratégico comum nos estudos de conflitos globais (ainda que ultrapassado para a economia do século XXI).
Nenhum país com um quarto de sua população vivendo na pobreza escolhe priorizar investimento em conflitos militares, a menos que enxergue uma necessidade vital em tal priorização.
Por fim, um fator mais óbvio para minha aposta imaginária é a curva de produtividade da população chinesa.
Em 2015, o governo chinês afrouxou a política do filho único. Sim, até 2015 as famílias só eram autorizadas a ter um filho na China. Sobre o assunto, recomendo o filme “The One Child Nation” para quem quiser saber mais.
Em 2021, pelo 5º ano consecutivo, a China viu um declínio na sua taxa de natalidade, um problema que geralmente as economias atingem em um estágio mais desenvolvido.
Com menor natalidade, o país tem o envelhecimento da população – o que significa menor mão-de-obra produtiva e mais aposentados e pensionistas para o Estado sustentar. Ou seja, uma conta difícil de fechar.
Sei que existem economistas que discordam de mim.
Sei também que existem curiosos que ficam impressionados com o desenvolvimento tecnológico chinês, desinformados sobre o enorme sucateamento — afinal, já estamos na 4ª revolução industrial há algum tempo. É hora de ajustarem a expectativa!
Sigo, porém, confiante na minha aposta, amparada por muitos colegas chineses (e do mundo inteiro, na verdade).
Antes de encerrar, quero deixar claro que eu sou admiradora da economia, cultura e do povo chinês. Torço, de coração, para que o cenário mude e eles consigam prosperar. Afinal, isso seria melhor para todo mundo.
Contudo, eu também valorizo a ciência e os dados — e, infelizmente, eles indicam um futuro menos otimista para aquela que deveria ser a maior economia do mundo.
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