Não é novidade para ninguém que os preços da gasolina e do diesel subiram consideravelmente em 2021.
A alta dos combustíveis é o principal componente da inflação brasileira neste ano e impacta diretamente o nosso bolso como consumidores.
De janeiro até novembro de 2021, o preço médio da gasolina no Brasil subiu 47%, enquanto o diesel teve alta similar, de 45%.
De acordo com os últimos dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para o mês de novembro, a média de preços nacionais da gasolina foi de R$ 6,74 por litro, com a máxima chegando a R$ 7,99.
O valor médio do diesel, por sua vez, atingiu R$ 5,36 por litro. A máxima chegou a R$ 6,70.
Desde 2016, a Petrobras segue a cotação internacional do preço do barril de petróleo do tipo Brent, que é calculada em dólares, para reajustar os preços dos combustíveis no Brasil. É o que chamamos de política de preços de paridade de importação (PPI).
Com o preço do petróleo mais alto e a desvalorização do real em relação ao dólar, podemos imaginar o impacto no bolso do consumidor brasileiro.
É claro que os valores assustam e ninguém quer pagar mais caro para abastecer o carro.
Inclusive, diante da perda relativa do poder de compra dos cidadãos, é comum ouvir a narrativa de que a Petrobras deveria oferecer combustíveis mais baratos para a população brasileira.
Essa ideia parte do princípio de que a Petrobras poderia utilizar parte do seu lucro obtido na produção de petróleo para subsidiar combustíveis como gasolina e diesel, ofertando preços mais baixos.
Mas será que a culpa disso tudo é realmente da Petrobras? O que aconteceria caso a estatal mudasse sua política de preços?
Na coluna de hoje, vamos explorar como os combustíveis são produzidos, a lógica de preços de paridade de importação e alguns mitos e verdades sobre a gasolina e o diesel no Brasil.
Indice
Os combustíveis que utilizamos todos os dias são produtos finais de uma longa cadeia produtiva, que começa na extração de petróleo e depende dos seguintes fatores:
Ao chegar nas refinarias, o petróleo passa por uma série de processos químicos e físicos.
As moléculas pesadas são purificadas e quebradas em partes menores, dando origem a diversos produtos, como gasolina, óleo diesel e gás liquefeito de petróleo (GLP).
Depois disso tudo, os combustíveis são vendidos para as distribuidoras, que irão revendê-los aos consumidores nos postos de distribuição.
Não. A estatal responde por cerca de 80% dos combustíveis ofertados no Brasil.
Quando a Petrobras foi criada, em 1953, já existiam no país seis refinarias privadas e duas outras refinarias estatais. Naquele momento, foi travada uma verdadeira batalha no Congresso Nacional a respeito do escopo do monopólio da estatal.
Depois de muita discussão e pressão por parte de empresários, foram deixadas de fora do monopólio as atividades de distribuição e comércio de derivados, enquanto o monopólio legal ficou limitado à exploração, produção e refino de petróleo.
O monopólio do refino, naquela época, foi extremamente prejudicial para os refinadores privados, que tiveram as concessões mantidas, mas foram impedidos de ampliar sua capacidade.
Assim, o investimento ficou todo a cargo da Petrobras, e os refinadores privados, que poderiam ter ajudado no processo de ampliação do parque de refino, perderam relevância por conta do impedimento legal.
Em 1997, o monopólio da Petrobras foi quebrado, mas as infraestruturas de refino e escoamento eram totalmente dominadas pela estatal. Além disso, na prática, elas significavam uma barreira de entrada enorme para novos agentes.
Esse gargalo histórico contribuiu para a baixa capacidade e competitividade do refino de petróleo no Brasil.
A Petrobras é responsável por mais de 95% do refino, embora isso esteja mudando com a venda de algumas de suas refinarias.
Em resumo, o resultado é que, atualmente, apesar de autossuficientes na produção de petróleo, precisamos importar cerca de 20% do diesel e 16% da gasolina que são consumidos por aqui.
Isso explica, em partes, a lógica da política de preços de paridade de importação.
Os combustíveis derivados de petróleo são commodities e têm seus preços atrelados aos mercados internacionais, cujas cotações variam diariamente, para cima e para baixo.
Essa lógica também se aplica a outros tipos de commodities nas economias abertas, onde é possível importar e exportar como, por exemplo, açúcar, trigo, café, metais, entre outros.
Caso a Petrobras reduzisse artificialmente os preços dos combustíveis, seria um desincentivo aos refinadores privados e importadores de combustíveis, que não conseguiriam competir com a estatal, nem expandir sua capacidade de produção e poderiam até mesmo quebrar.
Fora isso, o impacto nas contas públicas e nos resultados da Petrobras seriam enormes — e o problema não seria resolvido.
Recentemente, congressistas e até mesmo o presidente Jair Bolsonaro vem afirmando que a Petrobras deveria ter um papel social e não poderia gerar lucros tão altos como ultimamente.
Mas será que isso faz algum sentido lógico? Vamos aos números.
Em 2019, a Petrobras lucrou R$ 47 bilhões e o consumo de gasolina, diesel e GLP no Brasil foi de 90,5 bilhões de litros.
A matemática básica nos mostra que um subsídio de aproximadamente R$ 0,52 por litro consumiria todo o lucro da estatal no período, sem baratear consideravelmente os preços de combustíveis.
Isso sem falar nas metas de transição energética e na perversidade que seria subsidiar combustíveis fósseis enquanto o restante do mundo caminha justamente na direção oposta.
É verdade que em 2021 a Petrobras provavelmente irá gerar lucro recorde. No entanto, isso é devido principalmente ao aumento dos preços de petróleo nos mercados internacionais e a alterações na estrutura de alocação de capital da empresa, que passou a focar cada vez mais na extração e produção de petróleo e menos no refino e distribuição de combustíveis.
Em paralelo, quando a Petrobras lucra mais, o governo também arrecada mais, seja via impostos diretos, seja via pagamento de dividendos.
De janeiro até setembro de 2021, a Petrobras recolheu R$ 134,1 bilhões para os cofres públicos, uma alta de 43,4% em relação a 2020.
Para a União, a Petrobras pagou diretamente o valor de R$ 69,4 bilhões, sendo R$ 31,5 bilhões em tributos federais, mais R$ 37,8 bilhões em participações governamentais.
Para os Estados, a empresa recolheu R$ 64 bilhões, enquanto para os municípios foram recolhidos R$ 800 milhões no acumulado de 2021 até setembro.
A pergunta que fica é: para onde está indo esse dinheiro?
É importante entender que a Petrobras é um dos agentes envolvidos na produção e comercialização de gasolina no Brasil, mas ela não controla o preço dos combustíveis nos postos.
A composição dos preços de gasolina e diesel pagos pelo consumidor final não está apenas sob a gestão da Petrobras. Ela depende de 4 fatores principais:
1. Preços do produtor ou importador;
2. Carga tributária;
3. Custo do etanol (atendendo à legislação brasileira, a gasolina vendida nos postos deve ser misturada com etanol) ou do biodiesel (diesel vendido nos postos é misturado com biodiesel);
4. Margens de distribuição e revenda;
A parcela da Petrobras é a primeira, referente ao preço do combustível nas refinarias.
A carga tributária, por sua vez, responde por parte relevante do preço final, e os demais agentes da cadeia de comercialização, como importadores, distribuidores, revendedores e produtores de biocombustíveis também exercem influência na formação de preços.
No caso da gasolina, por exemplo, a Petrobras é responsável por cerca de 1/3 do valor pago pelo consumidor.
Portanto, o argumento de que a Petrobras deve ser responsabilizada pela alta dos combustíveis no Brasil é no mínimo falacioso, para não dizer desonesto, dependendo de quem o sustenta.
Já discorremos aqui sobre a política de PPI e explicamos os motivos pelos quais a adoção de preços à realidade de mercado é a melhor solução.
É claro que não podemos negligenciar a situação de vulnerabilidade econômica de milhões de brasileiros, mas não é por meio de subsídios a combustíveis fósseis que este problema será resolvido.
A artificialidade nos preços gera distorções e ineficiências em toda a cadeia produtiva, e a falsa sensação de combustíveis mais baratos tem graves consequências de médio e longo prazo.
O subsídio aos combustíveis consome recursos importantes, reduz a capacidade de investimentos e eleva o endividamento estatal.
Foi o que pudemos ver recentemente em países como Argentina, Venezuela e México, com suas companhias de petróleo YPF, PDVSA e Pemex.
A solução parte do entendimento destes problemas, e a Petrobras possui papel importante na mudança, investindo no crescimento da produção de petróleo e derivados.
A ampliação do parque de refino, com maior participação do setor privado, redução dos gargalos logísticos e investimentos em infraestrutura também podem contribuir nesse sentido.
Em paralelo, o governo poderia utilizar os recursos oriundos de dividendos e da tributação da Petrobras para criar uma espécie de fundo soberano de estabilização. Seu objetivo principal seria reduzir a volatilidade dos preços de combustíveis, trazendo mais previsibilidade para o setor de transportes e para a indústria de forma geral.
Esse tipo de mecanismo já existe em outros países e é utilizado principalmente para reduzir a exposição de governos aos mercados internacionais de commodities.
Atualmente, existem cerca de 40 fundos soberanos no mundo, com mais de US$ 3 trilhões em carteira.
Um exemplo próximo é o fundo soberano do Chile, financiado com recursos da exportação de cobre, principal commodity do país.
Olhando para a história recente, temos inúmeros casos de controles de preços de matérias-primas que fracassaram.
Ao mesmo tempo, já existem outras soluções que se distanciam da chamada “canetada” e atacam o real problema.
O Brasil precisa seguir os bons exemplos e se afastar da tentação do “governo grátis”.
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