O termo tapering não é um dos mais frequentes no noticiário econômico. Mas basta chegar às manchetes para atrair a atenção de todos os investidores do mercado financeiro global.
A palavra significa algo como “estreitamento” e refere-se ao processo de redução gradual de estímulos monetários pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos).
Nos últimos meses, o Fed vem sinalizando que iniciará o tapering em breve para retirar o volume massivo de incentivos que liberou em meio à crise econômica da pandemia.
Finalmente, nesta semana, o banco central norte-americano sinalizou que deve iniciar esse processo de retirada de estímulos a partir do fim de novembro.
Mas você sabe o que é exatamente o tapering? Como funciona? Quais as consequências deste processo para os seus investimentos?
É o que vamos descomplicar neste artigo. Confira!
Indice
No contexto do Federal Reserve, tapering é uma diretriz monetária usada para desaquecer a economia e evitar um quadro de hiperinflação causado pelo alto volume de estímulos. Na prática, significa que o banco central americano vai reduzir os estímulos que vinham ocorrendo por meio da compra de títulos públicos.
Estes incentivos monetários são mecanismos utilizados pelo Fed para aumentar a liquidez da economia durante uma crise. Como cortes de juros e programas de compra de títulos.
Quando a economia volta a crescer, o presidente e os diretores do Fed elaboram um plano para a retirada gradual dos estímulos e começam a avaliar datas para o início do processo.
Em termos simples, o Fed injetou dinheiro no país para incentivar a atividade econômica em meio à pandemia e agora precisa implementar o tapering para “escoar” estes incentivos.
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A expressão “tapering” vem do inglês e pode ser traduzida de várias formas: estreitamento, aperto, afilamento, afunilamento, escoamento etc.
O termo é usado, por exemplo, para descrever um túnel que vai ficando mais estreito ao longo do caminho, ou uma coluna irregular cuja base é maior do que o topo.
O tapering se tornou um jargão dos economistas para redução de estímulos monetários quando foi utilizado em 2013 pelo então presidente do Fed, Ben Bernanke.
Na ocasião, Bernanke usou a palavra para anunciar que o Fed iria reduzir progressivamente suas compras de títulos e hipotecas que havia iniciado durante a crise do subprime, em 2008/2009.
Uma analogia prática é pensar nos estímulos como um encanamento que “jorra” dinheiro na economia dos EUA; o tapering seria, então, a ferramenta do Federal Reserve para fechar a “torneira” gradativamente.
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Agora que você já entendeu o que é o tapering, chegou a hora de entender por que ele vem sendo cada vez mais mencionado no noticiário econômico.
Nos últimos 20 meses, o Federal Reserve vem injetando um volume muito alto de dinheiro na economia dos EUA, para combater os efeitos da crise global do coronavírus.
Em 15 de março de 2020 — apenas 4 dias após a Organização Mundial da Saúde declarar a pandemia da Covid-19 —, o Fed anunciou que compraria bilhões de dólares dos bancos em ativos como títulos públicos e hipotecas.
Estas compras são realizadas através de um programa chamado Quantitative Easing (QE), um método para aumentar a liquidez dos bancos, reduzir juros e incentivar empréstimos.
A previsão inicial de comprar US$ 700 bilhões em títulos escalou rapidamente — desde então, o Fed realizou compras mensais de US$ 120 bilhões, em média, e o gasto total com o QE já ultrapassa US$ 4 trilhões.
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Dados recentes indicam que o QE, aliado aos estímulos fiscais do governo e do Congresso, foi consideravelmente eficiente em limitar os efeitos econômicos da crise da Covid-19.
Por exemplo, o PIB dos EUA cresceu 6,3% no 1º trimestre de 2021 e 6,7% no 2º trimestre (em comparação aos trimestres anteriores).
Além disso, o índice S&P 500 — um dos principais termômetros do mercado acionário americano — já opera mais de 90% acima da mínima atingida em 23 de março de 2020.
Por outro lado, o aquecimento da atividade econômica gera o efeito colateral da inflação acelerada: em agosto de 2021, o CPI (índice oficial da inflação dos EUA) acumulou alta de 5,3% em 12 meses.
Para comparação, em março de 2020 (antes do impacto inicial da pandemia), a inflação acumulada em 12 meses era de 1,5%.
Um detalhe: o Fed adota como medida de inflação o PCE, um índice mais abrangente que inclui gastos de produtores e da população rural. Ainda assim, o PCE em agosto de 2021 acumulava alta de 4,3% em 12 meses.
Outro indicador preocupante é a taxa básica de juros, que o Fed vem mantendo próxima a zero desde março de 2020. No mês anterior, os juros operavam entre 1,5% e 1,75%.
Em razão disso, o Fed avalia o tapering — através de elevações dos juros e fim das compras de títulos — como um procedimento necessário para frear o avanço da inflação e evitar um cenário de risco sistêmico.
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Antes de abordarmos as especulações do mercado em relação ao tapering, é preciso entender que a estrutura do Federal Reserve não é igual à do Banco Central do Brasil.
Na verdade, o Federal Reserve é um sistema independente composto por 12 “Feds regionais”, cada um com seu próprio presidente e uma considerável autonomia local.
Eles são supervisionados pelo Conselho de Governadores, um grupo de 7 economistas indicados pelo presidente dos EUA e confirmados pelo Senado com mandatos específicos.
O Conselho de Governadores e os presidentes dos Feds regionais formam o Federal Open Market Committee (FOMC), equivalente ao nosso Copom, que é o órgão responsável por decisões de política monetária.
O FOMC tem hoje 18 integrantes e, assim como o Copom, se reúne periodicamente para avaliar o cenário econômico e decidir sobre alterar a taxa de juros e ampliar ou reduzir as compras de ativos pelo Fed, por exemplo.
O presidente do Conselho de Governadores, cargo hoje ocupado por Jerome Powell, é o responsável por comunicar oficialmente à imprensa as decisões do FOMC e prestar contas ao Congresso dos EUA.
No entanto, os demais membros do FOMC frequentemente compartilham suas visões sobre a economia dos EUA em entrevistas e palestras, ainda que sejam divergentes das decisões tomadas pelo comitê.
Esta complexa dinâmica é essencial para resguardar a pluralidade de opiniões dentro do Fed e importantíssima para o mercado financeiro, que monitora de perto as declarações dos integrantes do FOMC em busca de sinalizações sobre a direção da política monetária.
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Esta é a pergunta que o mercado global tem feito nos últimos meses, e a resposta mais objetiva foi dada nesta semana: após meses falando a respeito, o Fed anunciou que dará início ao processo de tapering no fim deste mês de novembro.
O tapering começa com uma redução de US$ 15 bilhões no programa de compra de títulos. Serão US$ 10 bilhões em Treasuries e outros US$ 5 bilhões em hipotecas.
Embora o valor seja extremamente alto, vale lembrar que o Fed estava mantendo estímulos de US$ 120 bilhões mensais em títulos, o que dá ideia da proporção de injeção de dinheiro na economia americana.
Como explicamos no tópico anterior, o mercado vinha acompanhando as declarações dos membros do FOMC, principalmente as entrevistas coletivas de Powell após as reuniões, para estimar a data de início.
Em reunião recente do comitê, em 22 de setembro, Powell sinalizou que o Fed poderia começar a reduzir o ritmo de compras mensais de títulos em novembro de 2021, e que seria possível encerrar o processo de tapering em meados de 2022.
Nesta mesma reunião, 9 dos 18 integrantes atuais do FOMC se mostraram prontos para uma elevação dos juros já em 2022, embora a proporção desse aumento varie entre eles.
Além disso, 17 membros do FOMC previram ao menos uma elevação dos juros em 2023; destes, 13 estimaram duas elevações no mesmo ano.
Vale ressaltar que as projeções do Fed e falas de membros do FOMC geram reações do mercado, e o próprio FOMC avalia os impactos destas declarações e previsões para “tirar a temperatura” do ambiente econômico antes de implementar qualquer medida.
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O Fed e o FOMC avaliam diversos fatores referentes ao cenário econômico ao discutir quando iniciar o tapering, isto é, reduzir as compras de títulos e elevar os juros básicos.
Um deles é o desdobramento da pandemia no futuro próximo.
A vacinação e as medidas de lockdown contribuem para o controle do coronavírus, mas o avanço da variante Delta principalmente entre não-vacinados ainda gera incertezas sobre o risco de um tapering muito precoce.
Além disso, as cadeias globais de produção ainda não foram restabelecidas por completo e é possível que a economia dos EUA, em fase de recuperação, não esteja tão resistente a novos choques.
Em outras palavras, o principal critério do Fed hoje para iniciar ou não o tapering é avaliar se os efeitos da pandemia já foram suficientemente superados.
Se o Fed e o FOMC optarem por retirar os estímulos muito cedo, a preocupação é que a economia ainda fragilizada possa voltar a encolher em caso, por exemplo, de uma nova alta dos casos de Covid-19, que force os governos a restaurar as medidas de quarentena.
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O efeito mais imediato se o Fed resolvesse adiar o tapering seria a contínua elevação das expectativas de inflação — que, como explicamos antes, vêm crescendo em razão dos estímulos do Fed.
Em agosto de 2020, o Fed havia anunciado que sua prioridade durante a pandemia seria fomentar o pleno emprego e que iria tolerar índices de inflação mais altos por algum tempo.
Contudo, um efeito colateral da inflação alta é a chamada “inércia inflacionária”. Na prática, quanto mais acelerado o crescimento da inflação, mais difícil é reverter sua aceleração.
No contexto da política monetária, isto significa que quanto maiores as expectativas de inflação, mais drástico será o aperto (a alta de juros) necessário para contê-las.
O que pode produzir um baque considerável nos investimentos e elevar rapidamente o desemprego.
Um dos mercados mais expostos a este risco é o imobiliário.
O alto volume de estímulos do Fed e do governo favorece a demanda por imóveis e seus preços, enquanto a compra em massa de ativos lastreados em hipotecas pelo Fed pressiona os juros para baixo.
Caso o tapering demore muito e o Fed seja forçado a um aperto acentuado, a procura por imóveis tende a cair (junto com o preço) e os juros das hipotecas a subir, o que seria um quadro extremamente complicado para novos proprietários de imóveis.
Outro ponto que pode gerar turbulência no mercado global é a certeza de que o Fed fará o tapering em algum momento.
Até pouco tempo, havia incerteza sobre quando o processo iniciaria — e a falta de clareza dificulta que os investidores se preparem com antecedência.
Em 2013, quando Ben Bernanke subitamente anunciou o primeiro tapering, o mercado foi pego de surpresa e gerou-se um efeito chamado de “taper tantrum” (algo como “pirraça do taper”), que derrubou o humor dos mercados já habituados aos incentivos do Fed.
Agora, com o processo já sinalizado, vale observar como será a reação dos agentes que fazem parte do mercado financeiro.
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Assim como ocorreu em 2013, o tapering pós-pandemia em 2021 é temido ao redor do globo e gera apreensão principalmente em mercados emergentes, os principais beneficiados internacionais pelos estímulos do Fed.
Basicamente, a injeção de dinheiro do Fed gera capital para investidores aplicarem em mercados mais arriscados e com maior potencial de retorno, como o Brasil.
Portanto, quando o FOMC eventualmente iniciar o tapering e “fechar a torneira”, existe a preocupação de que investidores prefiram aplicar em economias mais seguras.
A saída de capital estrangeiro, logicamente, levaria a uma desvalorização cambial mais profunda do que a que vivemos hoje e um efeito cascata de inflação ainda mais acelerada no Brasil.
Com os preços em alta, o BC quase certamente seria forçado a elevar juros mais uma vez para conter a inflação. Resultando em mais desaquecimento da atividade econômica e nova alta do desemprego.
Portanto, se os estímulos dos EUA impediram que a recessão no Brasil fosse ainda mais grave, o tapering representa um corte de fluxo de capital estrangeiro com potencial para acentuar a crise econômica e mesmo caracterizar um cenário de estagflação.
Em 2021, a bolsa brasileira já vem performando em níveis muito inferiores ao mercado acionário norte-americano, amargando uma das piores posições entre as bolsas de valores ao redor do mundo.
Boa parte desse desempenho abaixo da média é explicado pelo risco fiscal, pela crise política e pelas incertezas em relação às reformas que o mercado julga vitais para a recuperação econômica, como a reforma tributária e a reforma administrativa.
Agora, com o processo de tapering já sinalizado, é preciso ficar atento aos impactos desse movimento aqui no Brasil, onde o Banco Central vem elevando a taxa de juros de forma recorrente nas últimas reuniões, em uma tentativa de frear o crescimento da inflação.
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