Fechando 2021 com a maior inflação em seis anos, o Brasil já viveu tempos melhores economicamente — mas viveu tempos piores também!
Para reconstruir esse cenário, pensar o presente e projetar o futuro, falamos com especialistas e cidadãos comuns, que sentem no dia a dia o peso que a alta da inflação tem no orçamento.
Nesta reportagem, você vai conhecer a história do casal aposentado Ana Shirlei Castro, 74, e Maximiano Bertoldo, 82, que acompanhou (e driblou) anos de alta no custo de vida, curtiu a significativa melhora dos anos 2000 e que, hoje, convive com as incertezas de um presente em que o índice de inflação supera os 10%.
Além disso, conversamos com a jovem Coordenadora de Vendas Diretas e estudante de Engenharia de Alimentos Duélen Feijó, que decidiu morar sozinha em 2021 e já sente na pele o contraste entre o que ela pensava que seria a vida adulta e o que, de fato, tem sido.
Para analisar as adversidades e os motivos da crise, o economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS Adelar Fochezatto explica o que é a inflação e o que esperar dela nos próximos meses.
Ao final, você ainda vai conferir dicas de planejamento em tempos de crise com Mariana Martinewski, especialista em investimentos na Warren .
Vamos lá?
Indice
Carne uma vez por semana, plantio de leguminosas e verduras no quintal de casa e escambo de mercadoria com os vizinhos.
Assim lidava com a alta variação do preço dos alimentos nos anos 1960, 1970 e 1980 o casal de aposentados Ana Shirlei Castro e Maximiano Bertoldo. Além deles próprios, a dupla ainda precisava alimentar três filhos.
“No final dos anos 1970, as coisas até começaram a melhorar para mim, porque ingressei em um cargo público. Mas antes, quando ganhava um salário mínimo, deixava mais de 50% no mercado. E olha, não tinha luxo, não, viu? Era só o básico”, relembra Maximiano.
A esposa complementa: “Para tentar contornar a situação, a gente trocava muito com os vizinhos também. Um comprava mais arroz, outro mais feijão… Quem plantava oferecia verdura em troca de algum outro alimento. Era assim mesmo, porque tudo era muito caro”.
Para quem lida com as contas de casa, especialmente com apenas um salário mínimo, esse relato poderia muito bem ser de 2021, quando a inflação atingiu, segundo o IBGE, o patamar de 10,06% pela primeira vez em seis anos.
Inclusive, mesmo com uma renda superior a um salário mínimo, Ana Shirlei relata que o sentimento daquela época está voltando: “Sinto que está ficando mais difícil novamente, principalmente para quem não tem estudos”, considera.
De acordo com o economista Adelar Fochezatto, professor da Escola de Negócios da PUCRS e ex-presidente da extinta Fundação de Economia e Estatística (FEE), a inflação é, em palavras simples, o aumento dos preços de uma lista de itens ao longo do mês.
“Medida por índices como o IPCA, Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, e o IGP-M, Índice Geral de Preços do Mercado, ela é calculada a partir de uma pesquisa de 377 produtos, como banana, pasta de dente, arroz e feijão, por exemplo”, explica o especialista.
Ele ressalta ainda que a inflação não diz respeito apenas à alimentação, mas também à luz, água, ao combustível, à educação, e a outros produtos e serviços que compõem o custo de vida.
Ainda sobre a sensação de Ana Shirlei, de que tudo está ficando mais caro novamente, o professor Adelar reflete: “realmente, já vivemos tempos de inflação menor”. Mas ele pondera: “Porém, o que vivemos hoje ainda é muito melhor do que nos anos 1980, não há comparação”.
E é verdade. Naquela época, a inflação acumulada do ano chegava a quase 2.000%, conforme o IBGE. Em um único mês, em dezembro de 1989, a variação no preço dos produtos chegou a 51%.
Era essa instabilidade que fazia com que o casal tivesse que, além das estratégias citadas na abertura desta reportagem, se deslocar até um mercado longe de casa, onde os preços eram mais acessíveis.
Apesar disso, salienta o professor, embora os índices sejam mais controlados atualmente, não há motivo para comemorar.
O IPCA está muito acima da meta estabelecida pelo Banco Central, que é de 4,5% ao ano, o que já compromete os hábitos das famílias brasileiras. “Estamos precisando cortar gastos não essenciais e substituir alimentos como a carne por ovos”.
A inflação acima dos 10% também traz outro problema: se permanecer assim por muito tempo, abre brechas para a normalização da inflação inercial, um tipo de inflação caracterizado por apresentar um patamar alto, mas não explosivo, já que seu crescimento é constante.
“Isso significa que contratos de aluguel, por exemplo, podem incluir ajustes nos preços de acordo com a inflação, o que é muito ruim para o planejamento das famílias”, explica o professor.
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Ana Shirlei e o marido passaram por diversos cenários inflacionários do país.
Desde a época em que precisavam “gastar a sola do sapato”, como define Adelar, para encontrar os melhores preços e fazer estoques de mantimentos, uma vez que “os selos de novos valores eram colados um por cima do outro todos os dias”, como relembra a aposentada, até épocas mais favoráveis, como no início dos anos 2000, quando o poder aquisitivo subiu e os preços baixaram — e chegando até este período de incertezas e deterioração da economia que o país vive hoje.
O que, então, explica essas mudanças ao longo das décadas?
Por se tratar de um tema complexo, a resposta tampouco é simples. A inflação é influenciada por diversos fatores econômicos e políticos e, por isso, a justificativa não é sempre a mesma.
Confira abaixo os principais motivos para a alta no índice em cada década.
Em 1964, a inflação chegou a 92%, impulsionada pelos gastos com o governo militar, a crise mundial de petróleo e a ditadura vivida no país.
Após a melhora nos índices até 1973, o endividamento público se tornou insustentável, o que levou ao aumento dos preços dos produtos básicos e ao arrocho salarial (quando os reajustes salariais não acompanham a inflação).
Em 1976, a inflação acumulada, ou seja, a soma da variação da inflação durante os meses daquele ano, chegou a 46%.
Nessa época, era comum que as famílias tivessem muita dificuldade para comprar eletrodomésticos.
“Levamos quatro anos para comprar uma geladeira e sete para comprar a primeira televisão. Foram anos juntando dinheiro, consegue imaginar?”, relembra o funcionário público aposentado Maximiano.
Ao final da chamada “década perdida” da economia brasileira, a inflação chegou a 1.999% em 1989, com o aumento da dívida externa e interna e com a explosão de uma crise econômica na América Latina e no Leste Europeu, causada por déficit fiscal e oscilações no câmbio.
Foi nesse período que Maximiano e Ana Shirlei precisavam fazer amplas pesquisas de preço no mercado e, quando possível, estocar alimentos, porque os preços mudavam todos os dias.
Depois de uma inflação de 2.400% no início dos anos 1990, reflexo dos últimos anos da década anterior, em 1999, o índice fechou o ano em 9%.
Neste período, o país sofreu tentativas desastrosas de controle da inflação, com o confisco de poupança no governo de Fernando Collor por conta do fracasso dos planos Collor I e II.
Foi também nos anos 1990, precisamente em 1994, que surgiu o Plano Real, um conjunto de reformas econômicas implementado no governo do então presidente Itamar Franco que tinha como objetivo justamente controlar a hiperinflação.
O gráfico abaixo mostra bem o impacto do Plano Real: em junho de 1994, um mês antes de seu lançamento, a inflação em 12 meses chegou a quase 500%. O índice foi caindo, chegando perto dos 30% um ano depois, segundo o IBGE.
A reforma monetária, a abertura econômica e a boa equipe no comando conseguiram estabilizar a inflação em patamares baixos. Como podemos ver no gráfico a seguir, a média de inflação entre 1996 e 2018 foi de 6,4%, o que comprova o sucesso do Plano Real no combate à inflação.
A maior taxa de inflação nos anos 2000 foi em 2002, quando atingiu 12%, influenciada pelo aumento do dólar.
Este foi o período de maior equilíbrio nas contas públicas, com a inflação dentro da meta estipulada, oscilando entre 4% e 6% ao ano.
A partir de 2011, no entanto, houve um descontrole na política de preços, e em 2015 o país entrou em recessão, com o boom do desemprego.
“O início dos anos 2000 foram muito bons. Pessoas mais pobres conseguiram comprar carro, eletrodoméstico e até viajar de avião. A vida ficou mais fácil”, relembra Maximiano.
Duélen Feijó, Coordenadora de Vendas Diretas, cresceu nesse período, mas hoje, aos 25 anos, reflete outra visão: “Cresci tendo uma ideia de estabilidade financeira e de carreira que não se concretizaram. A economia estagnou e nem a aposentadoria é garantida. Precisamos nos reinventar no mercado”.
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Em 2021, Duélen decidiu se mudar para Florianópolis (SC), após ser contratada para o seu novo cargo na empresa Leve. Ela, que em Porto Alegre dividia as contas com a mãe, já sentiu a diferença no bolso.
“Se antes eu estava gastando em torno de R$ 400 apenas comigo, hoje meu gasto dobrou quando o assunto é alimentação”, analisa.
Para lidar com a alta geral dos preços, Duélen teve que mudar alguns hábitos. “Já não compro tantos produtos para experimentar, como eu fazia antes. Sempre tento comer alimentos saudáveis, mas até a feira está cara”.
E compara: “Hoje é mais barato você comer alimentos ultraprocessados do que frescos. Pode ver: o macarrão instantâneo continua um real, já o arroz e o feijão só sobem de preço. Eu tenho uma posição privilegiada, mas e quem não tem?”, questiona.
As mesmas mudanças aconteceram quando o assunto é transporte. “Na hora de voltar para Porto Alegre, volto de ônibus, porque uma passagem aérea, que antes custava R$ 93, hoje custa R$ 400”.
A inflação de 2021, segundo o professor Adelar, pode ser explicada, em partes, pelos seguintes motivos:
É aí que você, leitor, pode estar pensando: mas a agricultura não foi um dos poucos setores que menos sofreu com as paralisações da pandemia?
Correto. Mas a inflação é um cálculo complexo e é influenciada por fatores como matéria-prima, câmbio e transporte, que foram afetados pelo isolamento.
“Hoje estamos pagando caro pela alimentação. A oferta é inferior à demanda, por isso ainda estamos sentindo os efeitos dessas medidas de restrição contra a pandemia na hora de fazer o mercado”, explica Adelar.
Para driblar o problema, Ana Shirlei e Maximiano, calejados quando o assunto é inflação, voltaram a plantar verduras e legumes no pátio de casa e estão optando por outros tipos de alimentos para substituir a carne vermelha, como frango e ovo.
Diante deste cenário, tanto os aposentados quanto a jovem adulta desejam saber: a situação vai melhorar?
Bem, de acordo com Adelar, a resposta é sim.
Com a normalização dos serviços e o recuo da pandemia, a tendência é que, em 2022, o IPCA acumulado volte para os patamares planejados, algo em torno de 4,5%.
Apesar dessa melhora, ele ressalta que outros fatores geopolíticos podem mudar as projeções. “A guerra na Ucrânia e o câmbio alto também impactam a inflação. A perspectiva, em relação a 2021, é de redução do índice, mas fica um ponto de interrogação por conta dessas situações”, resume.
Ele também explica que o cenário político do Brasil atual é instável e que isso se reflete nos resultados para a inflação.
“Se a política macroeconômica não é confiável, não há estímulo para o investimento, e aí não há geração de emprego, nem de renda”.
Isso sem contar o capital especulativo, que é o dinheiro que “entra e sai” do país para a compra títulos no mercado financeiro.
“É importante que esse dinheiro entre porque aumenta nossas reservas internacionais e baixa o valor do câmbio, permitindo que o país importe insumos por um preço melhor, reduzindo, assim, a inflação”.
No geral, sim.
Mas na economia as respostas não são tão óbvias. Por isso, para que o cenário do país e a qualidade de vida das pessoas melhorem de fato, não basta uma queda na inflação.
Isso porque, no caso de uma oferta superior à demanda, ou seja, quando as pessoas não têm dinheiro para comprar tudo o que é produzido, a inflação cai, mas isso pode significar que a renda está baixa e o desemprego, em alta.
“Nesse caso seria pior. Teríamos uma inflação baixa em uma economia enfraquecida. O ideal é ter uma inflação baixa em uma economia aquecida. Aí, sim, podemos dizer que a baixa inflação é um sintoma bom”, explica.
O contrário também ocorre. Uma inflação alta porque a economia está bombando também é um cenário possível.
“Podemos ter momentos de inflação alta por um ciclo virtuoso da economia. No geral, inflação alta não é um bom resultado, mas existem exceções”.
Vale destacar ainda que a inflação alta, embora tenha essas nuances que precisam ser consideradas, em todos os casos afeta muito mais as pessoas que têm baixa renda.
“Quem consome todo o salário do mês para sobreviver é quem mais sofre, porque não há como se proteger com aplicações. O preço dos alimentos aumentam ao longo do mês e o rendimento segue fixo”, finaliza Adelar.
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Como vimos, as pessoas precisam encontrar meios para dar conta de períodos complicados, não é mesmo?
Redução de custos, aumento da renda, procura por mercados mais baratos, substituição de alimentos e eliminação de supérfluos são algumas das medidas adotadas.
Mas e o governo?
Segundo o economista Adelar, para baixar a inflação e gerar crescimento econômico é necessário um conjunto de fatores que dependem de ações do governo, como criar uma boa reserva internacional, realizar reformas, como a tributária e a trabalhista, e o investimento no mercado interno, através de pesquisa e ciência.
Desde o Plano Real, no entanto, o Brasil escolheu apenas o controle do IPCA em detrimento do crescimento econômico, aponta o especialista.
“O governo aumenta a taxa básica de juros, inibindo a demanda e, principalmente, o investimento e o consumo. Quando isso acontece, não gera emprego, nem renda. Vivemos uma economia estável, mas com baixo crescimento”, resume.
Para lidar com a inflação, a estudante de Engenharia de Alimentos Duélen Feijó tem economizado não só em artigos essenciais, mas também nas atividades de lazer.
Mas é com planejamento, colocando suas despesas e receitas em uma planilha, que ela consegue realizar os seus maiores sonhos, como construir um bom patrimônio e viajar.
“Consigo guardar quase 20% do meu orçamento para reserva de emergência. Minha ideia é que, em caso de necessidade, consiga me manter por uns sete ou oito meses, no mínimo”, pondera.
E essa postura é uma das principais recomendadas por Mariana Martinewski, especialista em investimentos na Warren, em tempos de crise.
“Em primeiro lugar, é preciso priorizar os custos essenciais e evitar dívidas. Depois, especialmente em tempos de alta inflação, é preciso pensar em uma reserva de emergência”.
Na época de hiperinflação, Maximiano e Ana Shirlei não tinham acesso a instituições financeiras, mas, do seu modo, tentavam colocar em prática formas de investir: “A gente também dava um jeito de fazer renda extra, vendendo doces e lavando roupa para fora”, relembra Ana Shirlei.
Com esse dinheiro, ao longo de muitos anos, conseguiram comprar outro terreno e construir uma casa para alugar.
“Todo dinheiro a mais que entrava, a gente guardava para investir em um bem de maior valor. Hoje, a renda do aluguel nos ajuda a ter uma vida mais tranquila, mesmo com as altas nos preços. Tem que sempre pensar nisso, né?”, considera a aposentada.
Apesar dessa ser, sim, uma estratégia válida, hoje em dia, com tantas opções acessíveis, Mariana recomenda também que, nesses períodos de inflação elevada, as pessoas optem por investimentos que acompanhem o índice, como títulos IPCA +, ou os que acompanham a taxa Selic, como CDBs e alguns fundos imobiliários.
“Isso sem contar, é claro, na educação financeira familiar. As crianças, desde pequenas, devem começar a aprender a economizar e a colaborar para a saúde das finanças”, reflete.
Como projeta o economista Adelar, a tendência é de melhora na inflação.
Além disso, é possível que crescimentos econômicos pontuais ocorram, mas o futuro ainda é incerto, especialmente porque 2022 é um ano de eleições presidenciais no país, e o mundo enfrenta, como sabemos, uma grave crise geopolítica.
Mas tudo indica que a inflação vai baixar. E com um cenário mais positivo, Duélen não vê a hora de voltar a viajar sem tantas preocupações. Porém, ela sabe que mesmo em tempos de bonança é preciso manter um planejamento financeiro constante, para estar preparada para qualquer adversidade.
“Para realizar uma viagem, eu preciso ter um planejamento muito direcionado”, salienta.
Já o casal de aposentados espera que, nos próximos anos, o custo de vida diminua, possibilitando mais passeios e, também, algumas reformas na casa.
Mariana ainda adverte que, apesar de ser possível relaxar algumas restrições orçamentárias na baixa da crise, “é tempo de investir ainda mais, tornando a carteira mais diversificada e garantindo segurança para os momentos mais difíceis”, conclui.
Na Warren, nós sugerimos as melhores carteiras de investimento, de acordo com o seu perfil de investidor e os seus objetivos de curto, médio e longo prazo.
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