Se você ouvir no noticiário econômico que o Brasil vive um risco de estagflação, pode começar a se preocupar com o seu bolso.
O fenômeno da estagflação é uma das maiores ameaças ao desenvolvimento de uma economia e representa sérios riscos para a sua população.
Neste cenário, o país mergulha em uma profunda recessão econômica de difícil reversão, ao passo que a inflação e o desemprego avançam rapidamente.
Neste artigo da Warren, vamos explicar o que significa estagflação, como ela surge e qual o risco de que ela ocorra no Brasil nos próximos anos.
Indice
O termo estagflação é um neologismo criado pela junção das palavras “estagnação” e “inflação”. A estagflação acontece quando um país passa por uma recessão (ou seja, queda da atividade econômica) simultaneamente a uma forte disparada dos preços.
Este quadro gera consequências graves para toda a população, uma vez que incorre em demissões em massa enquanto o custo de vida cresce em ritmo muito acelerado.
Em termos econômicos, podemos afirmar que a estagflação é caracterizada pelo avanço das taxas de inflação e desemprego acompanhado de uma desaceleração do PIB.
A palavra estagflação tem origem no “aportuguesamento” do termo em inglês stagflation, que deriva da união entre stagnation e inflation.
Esta nomenclatura foi cunhada pelo político britânico Iain Macleod, que a utilizou pela primeira vez em 1965, em um discurso sobre o cenário econômico do Reino Unido.
O termo stagflation ganhou notoriedade mundial durante a crise global do petróleo na década de 1970 — vamos analisar este exemplo mais adiante neste artigo.
Para entender as origens do cenário de estagflação, é preciso compreender alguns princípios básicos de macroeconomia e política monetária.
De forma geral, as taxas de inflação e desemprego apresentam uma relação inversa no curto prazo — isto é, se uma taxa sobe, a outra tende a cair.
Isso ocorre porque o crescimento econômico gera postos de trabalho, aumento do nível de renda e alta do consumo, o que resulta no encarecimento de bens e serviços.
Para manter a inflação em níveis controlados, o governo adota medidas de contração monetária que pressionam a demanda e os preços, mas reduzem a oferta de emprego.
Essa relação entre inflação e desemprego é conhecida como Curva de Phillips.
Por décadas, os economistas acreditaram que era quase impossível as duas taxas avançarem ao mesmo tempo.
Porém, é exatamente isto que ocorre em um quadro de estagflação: os produtos ficam cada vez mais caros, enquanto as empresas reduzem a produção e cortam vagas de trabalho.
A estagflação costuma ser resultado de decisões mal formuladas de política monetária e fiscal expansionistas em conjunto com fatores econômicos externos e difíceis de prever.
Na prática, o quadro de estagflação surge quando um governo injeta quantias muito elevadas de dinheiro na economia, geralmente motivado por agendas populistas ou previsões macroeconômicas equivocadas.
Esta prática acaba gerando prosperidade econômica no curto prazo, mas pode dar origem a um cenário frágil e suscetível a choques internacionais de oferta ou demanda.
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Ao longo do século XX, diversas economias ao redor do mundo passaram por períodos de inflação alta, desemprego e queda da atividade econômica.
Alguns destes fenômenos surgiram antes mesmo dos conceitos de estagflação, curva de Phillips e outras teorias macroeconômicas.
Vamos analisar alguns casos:
No mundo ocidental, a década de 1970 foi marcada por uma forte inflação desencadeada pelo choque do petróleo, que gerou o efeito cascata de encarecimento geral dos produtos.
O estopim da crise ocorreu em 1973, quando os países árabes suspenderam exportações de petróleo aos Estados Unidos em retaliação ao apoio militar americano a Israel.
Em menos de seis meses, o preço global do barril de petróleo subiu quase 300%.
Antes disso, os EUA já enfrentavam um quadro de desemprego em alta. O governo Nixon havia decretado um controle de preços e salários, o que levou as empresas a demitir funcionários para reduzir custos.
Neste período, o banco central (Fed) alternou diversas vezes entre posturas hawkish e dovish, buscando combater a inflação sem inviabilizar os empréstimos e investimentos.
Contudo, as oscilações dos juros alimentaram um clima de incerteza no mercado que acabou por agravar a estagflação, desestimulando empresas a contratar ou abaixar preços.
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Assim como nos EUA e outras grandes economias ocidentais, o choque do petróleo foi o pontapé para um processo de estagflação no início dos anos 70.
No Reino Unido, o terreno fértil para a estagflação começou com a política econômica fortemente expansionista implementada pelo secretário do Tesouro Anthony Barber, que ficou conhecida como “Barber Boom”.
A gestão de Barber injetou milhões de libras na economia britânica entre os anos 1971 e 1973.
Através de estímulos fiscais e monetários, a quantidade de dinheiro em circulação chegou a crescer 25% em três anos.
As diretrizes do Barber Boom impulsionaram a atividade econômica do Reino Unido, mas o efeito colateral da inflação já era visível e preocupava o mercado em 1973.
Naquele ano, o encarecimento inusitado do petróleo solapou a economia britânica, e o Reino Unido viveu um período de crescimento negativo do PIB enquanto a inflação e o desemprego disparavam no país.
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A derrota da Alemanha e seus aliados na Primeira Guerra, em 1918, foi devastadora para a economia do país.
Contando com os lucros da vitória na guerra, o governo alemão abandonou o padrão-ouro e financiou sua infraestrutura militar exclusivamente por meio de empréstimos.
Para pagar a dívida bilionária, a Alemanha imprimiu dinheiro em massa entre o fim dos anos 1910 e início dos anos 1920, gerando um processo de hiperinflação do marco alemão.
Em 1923, o dólar chegou a valer mais de 4,2 trilhões de marcos. O pão de forma chegou a registrar alta de quase 125.000.000.000% em um ano.
O resultado foi um cenário de miséria que atingiu grande parte da população alemã, em meio ao desemprego generalizado e encarecimento astronômico dos produtos.
A grave crise de hiperinflação e estagflação da Alemanha foi, inclusive, um dos fatores que contribuíram para a ascensão do nazismo e o início da Segunda Guerra Mundial.
Diante do quadro de inflação acelerada, alta do desemprego e recessão econômica, o mercado começa a alertar para a possibilidade de estagflação no Brasil.
Nos últimos trimestres, o país tem registrado sucessivos recordes de desemprego. Em janeiro, segundo o IBGE, a taxa atingiu 14,2% e corresponde a 14,3 milhões de brasileiros.
O descontrole da pandemia da Covid-19 é a principal causa hoje para o desemprego, com empresas fechando as portas e demitindo funcionários em meio às medidas de restrição.
Além disso, a inflação oficial do IPCA acumulada em 12 meses já chega a 5,2%, ameaçando o teto da meta de 5,25% estabelecida pelo Banco Central.
Pior ainda: analisando o IGP-M, que considera também o peso do câmbio sobre os insumos, a inflação acumulada em 12 meses chega a quase 29%.
O encarecimento mais evidente é observado nas categorias de alimentos e combustíveis. O preço do arroz subiu 70% em um ano, enquanto a alta da gasolina chega a 25% em alguns estados.
Mas, oficialmente, ainda não se pode afirmar que existe estagflação no Brasil no momento.
A inflação continua dentro da meta, embora alta, e o mercado prevê crescimento do PIB próximo a 3% neste ano e 2,3% em 2022, segundo o relatório Focus do Banco Central.
No entanto, o momento de instabilidade política, crise fiscal e sanitária e desvalorização do real representam sérias ameaças à recuperação econômica do Brasil e podem culminar num quadro iminente de estagflação.
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Embora o Brasil ainda não esteja claramente em estagflação, os agentes econômicos já reconhecem o risco de uma grave crise no futuro próximo.
Neste contexto, as decisões de política monetária e fiscal e a reação do mercado financeiro são cruciais para evitar o colapso e retornar ao crescimento sustentável.
Vamos analisar algumas medidas que o mercado e as autoridades vêm tomando para lidar com a inflação e o desemprego em alta.
Em 2021, o Banco Central do Brasil (BCB) decidiu elevar a taxa básica de juros em 0,75 ponto percentual, estabelecendo a meta em 2,75% ao ano.
Esta foi a primeira elevação da taxa Selic em quase seis anos e marca o fim de uma longa tendência dovish do BCB em relação à política monetária.
A decisão foi tomada por unanimidade entre o presidente do BCB, Roberto Campos Neto, e os oito diretores que integram o Comitê de Política Monetária (Copom).
Este aumento dos juros representa uma política contracionista, com o objetivo de normalizar o estímulo monetário e evitar um quadro de descontrole da inflação.
Na ata da reunião, o Copom sinaliza que pode aplicar uma nova alta de 0,75 ponto percentual da Selic na próxima reunião, em maio, levando a taxa a 3,50% ao ano.
Entre os argumentos, os diretores do BCB destacam que o crescimento econômico do Brasil “surpreendeu positivamente” e que esperam uma retomada mais acelerada com o avanço da vacinação contra a Covid-19.
Além disso, o Banco Central vem realizando leilões de câmbio por swaps e dólar pronto, com o objetivo de limitar a alta do dólar que contribui para o encarecimento dos produtos.
A principal medida do governo brasileiro para evitar um cenário de estagflação tem sido o plano de vacinação contra a Covid-19.
A expectativa é que o avanço da imunização permita o retorno gradual das atividades em alguns dos setores mais impactados pela pandemia, como turismo, transportes, atividades artísticas, bares e restaurantes.
Além disso, enquanto o Banco Central eleva juros para combater a inflação, o Executivo e o Legislativo vêm oferecendo estímulos fiscais (como o auxílio emergencial) para tentar manter o consumo em níveis razoáveis para o crescimento.
Contudo, a atuação do governo federal desde o início da pandemia é alvo de fortes críticas domésticas e internacionais.
Na avaliação de especialistas, o governo demorou a investir em vacinas e falhou em conter a transmissão do coronavírus ao incitar o descumprimento de medidas locais de restrição.
A instabilidade política e falta de articulação entre Planalto e Congresso também são apontadas como causas para a fuga de empresas e capital estrangeiro do Brasil, agravando o cenário de recessão e desemprego.
A crise política, econômica e sanitária tem causado impactos nítidos sobre os investimentos brasileiros.
Conforme crescem as incertezas em relação ao crescimento do Brasil, a bolsa brasileira vem recebendo menos aportes internacionais, acelerando a desvalorização do real.
Na renda fixa, a procura por títulos de longo prazo está em queda, obrigando os bancos e o governo a oferecerem prêmios mais altos, enquanto os resgates de títulos de curto prazo têm aumentado.
Por sua vez, os títulos do Tesouro Direto indexados ao IPCA vêm registrando maior procura, o que indica que parte do mercado ainda prevê um avanço da inflação no médio prazo.
A preocupação com a pandemia tem incentivado representantes empresariais a formar consórcios para comprar vacinas, buscando imunizar seus funcionários e doar parte dos lotes à rede pública.
Contudo, a possibilidade de compra privada de vacinas ainda precisa de regulamentação no país, e alguns economistas alertam que uma suposta competição entre governo e setor privado pode prejudicar a campanha nacional de imunização.
A primeira grande estagflação brasileira foi observada no começo dos anos 80, em meio à crise da dívida externa e ao segundo choque do petróleo iniciado em 1979.
Além deste episódio, o país viveu outros cinco períodos menores de estagflação entre as décadas de 80 e 2000, tipicamente se estendendo por dois ou três trimestres.
Já o fenômeno mais recente de estagflação no Brasil ocorreu em 2015, quando o país buscava equilibrar o combate à inflação com uma política nacional de estímulo ao consumo.
Seja qual for o cenário que os brasileiros vão enfrentar nos próximos meses, é essencial estar atento à evolução da inflação e do desemprego, para saber como investir nesse contexto.
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